Capitulo 04

Parte da série Essas Coisas Que Eu Mal Sei

A cena que discorria em minha frente ainda não parecia verdade. Juliano e Marcus eram grandes amigos. Lembro do dia em que conheci Juliano. Foi no reveillon da virada de 1999 para 2000. Tia Eliane deu a maior festa na beira da piscina, naquela ocasião Marcus chegou com Juliano a tiracolo e nos apresentou com um verdadeiro irmão. Ainda custava a crer naquilo, acho que só acreditei de verdade, depois que conversei com Estela.

- Não quero atrapalhar o teu banho de sol, mas já que você não me visita e nem retorna minhas ligações, vim te ver...

- Chris! - Estela levantou-se e me recebeu com um forte abraço e um gostoso beijo no rosto. - Que bom te ver... desculpa, amigo por estar tão ausente, mas é que minha vida esta tão complicada.

- Foi por isso que eu vim... preciso ter uma conversa séria contigo.

Como Estela parecia ler meus pensamentos, logo adivinhou do que se tratava.

- Já sei, o Marcus foi te procurar? Sabia que ele iria fazer isso...

Nesse momento Juliano se aproximou de nós. Estava com o olho esquerdo roxo, parecia nervoso e logo falou.

- Na sexta-feira nos atacou. Meu deu socos, disse que iria nos matar. Foi horrível!

Eu resumi tudo que ocorreu a eles em poucas palavras e por fim conclui:

- Ele está bastante magoado com vocês, e não posso tirar suas razões, já que você Juliano, era o melhor amigo dele.

Estela intercedeu:

- Não é bem assim, Chris. Há muito tempo eu abri o jogo com Marcus... o nosso amor se transformou em amizade... sei que é difícil entender pra quem vê de fora, mas minha relação com Juliano não de foi propósito. Aconteceu!

- Eu sei que essas coisas acontecem, mas a reação de Marcus é completamente normal, e para não magoá-lo ainda mais e principalmente para o bem estar de vocês, seria interessante manter a discrição. Pelo menos por enquanto, até tudo esfriar.

- Você tem razão - falou Juliano. - Não queria magoar o Marcus... não queria que fosse assim. Você pode não acreditar, mas gosto dele...

- Não vou me esconder por causa da imaturidade do Marcus. - protestou Estela - Ele tem que entender que acabou e que estou em outra. Não quero mais nada com ele.

- Mas não se trata disso, Estela. Acho que está sendo radical demais.

Nesse momento tia Eliane adentrou no ambiente, me deu um abraço apertado e logo depois ficou a par do ocorrido.

- Concordo plenamente com o Chris. - opinou ela - Estela, você não pode agir como uma criança que troca a boneca velha por uma mais nova. As pessoas têm sentimentos, é errado agir dessa forma imatura e infantil.

Estela estremeceu, ficou nervosa, e aos gritos falou:

- Estou cansada de sempre ter que ceder e renunciar a minha vida em favor do Marcus... Se fosse ao contrário, tenho certeza que ele não faria isso por mim. Não quero mais falar desse assunto!

Estela saiu nervosa do ambiente e nitidamente irritada, já Juliano parecia envergonhado e sinceramente chateado com a situação do amigo.

- Não quero julgar vocês. - começou tia Eliane. - Mas você não acha que tudo está muito recente?

Juliano apenas concordou com a cabeça e tia Eliane continuou:

- Marcus está passando por um momento muito difícil, Juliano, e você como amigo, deve saber como é o temperamento dele. Preocupo-me demais com Estela e como o que ele possa vim a fazer contra vocês.

- Conversei bastante com ele - ponderei - falei que com violência não se chega a lugar nenhum, e tenho certeza que ele vai se controlar. Mas vocês terão que dar tempo a ele.

Tia Eliane estava bastante nervosa e preocupada com os últimos acontecimentos. Sabia que Marcus, quando contrariado era violento e temia que alguma coisa acontecesse com Estela. Tentei deixá-la calma, mas com tudo, ciente da situação.

Enquanto tia Eliane conversava com Juliano, subi até o quarto de Estela. A porta estava entre aberta, do corredor vi que Estela segurava entre as mãos um porta-retrato com sua foto abraçada em Marcus. Dei dois toques na porta e entrei.

- Podemos conversar?

Estela estava com lágrimas nos olhos e apenas fez um sinal de positivo com a cabeça. Adentrei no quarto e me sentei em uma poltrona em frente à cama. Segurei suas mãos que ainda continha o porta-retrato e a conservei entre as minhas.

- Há quanto tempo não conversamos minha amiga? O que aconteceu conosco, com a nossa amizade?

Uma lágrima rolou de seu rosto e um suspiro fundo e cheio de angustia saiu de seu peito. Nos abraçamos e assim permanecemos em silencio por longos minutos.

- Esse último ano foi muito difícil pra mim. - começou Estela. - me apaixonei pelo melhor amigo do meu namorado... imagina como foi torturante viver com esse sentimento?

Apenas fiz um sinal de positivo com a cabeça, e naquele momento em que Estela abria seu coração a mim, não pode deixar de comparar sua história com a minha. Cinco anos antes, era eu que sofria por ter me apaixonado pelo namorado da minha melhor amiga, que nessa infeliz coincidência era ela.

- Nossa relação, minha e de Marcus já não era a mesma. - continuou Estela - Depois de quatro anos de namoro as coisas mudam, os sentimentos amadureceram... aquela paixão toda esfriou, e paixão não é amor e sem amor não há como manter uma relação. Sentia-me mal em ter que mentir pra ele quando dizia que me amava... estava sufocada e angustiada em não ser sincera com os meus sentimentos. Foi quando Juliano apareceu em minha vida.

Estela fez uma pequena pausa, depois continuou.

- Estava perdida e confusa com os meus sentimentos, mas tudo se tornou certeza quando conversei com Juliano e descobri que tínhamos muito em comum... tudo começou tão bobo, tão na brincadeira e teve proporções tão serias, sentimentos tão intensos. Não queira amá-lo, mas como se escolhe não amar? Não queria tbm ser desonesta com Marcus. Queria acabar com o nosso namoro, mas ele parecia pressentir. Sempre que eu iniciava o assunto ele fugia, inventava desculpas, não queria me ouvir. Mas cheguei a um ponto que eu não pude mais esconder. Falei a verdade, que não o amava mais e que estava apaixonada por outra pessoa. A reação dele foi violenta. Queria saber quem era... que ele iria matar, que eu nunca o abandonaria... Naquela noite não consegui falar a verdade pra ele, mas acabamos. Melhor, eu acabei. E na sexta-feira ele descobriu da pior maneira possível que Juliano eu estávamos namorando.

- Imagino o quanto você deve ter sofrido.

- Demais, mas hoje estou tranqüila e em dia com os meus sentimentos. Não quero mais mentir e nem me esconder. Marcus vai ter que entender que acabou e que Juliano e eu estamos juntos.

- Ele está muito magoado, triste e esta se sentindo traído. Tive muita pena dele e da situação humilhante em que se encontrava... bêbado, sujo... chorava como uma criança.

Estela passou uma de suas mãos no meu rosto, depois falou:

- Você é tão bom, Chris! Tem o coração tão generoso... se soubesse todas as barbaridades que o Marcus falava dos gays, nem mesmo tão nobres sentimentos, como os teus iriam suportar.

- Foi por isso... por causa do Marcus que nos afastamos?

Estela ficou por alguns segundo em silencio, tentando achar palavras, mas logo falou.

- Talvez sim. Não queria te magoar com o preconceito dele e por isso me afastei. Tivemos muitas brigas por causa disso. Até Estevão discutiu com ele por você.

Estela me relatou um fato que me intrigava muito, ocorrido no passado. Era aniversário de Estevão e Estela e ambos programaram uma viagem romântica para a serra gaúcha, Estela e Marcus, Estevão e Miriam e por fim, mas não menos importante, Adriano e eu. Tudo estava combinado, mas dias antes, Estela me ligou avisando que o passeio havia sido cancelado, pois Marcus teve um imprevisto no trabalho, ou algo do tipo naquele fim de semana. Mas na verdade, Marcus não queria a presença de um casal homossexual. Estevão saiu em minha defesa e disse que se Adriano e eu não fossemos, ele e Miriam tbm não iriam. A discussão foi grande e por fim, acabou que ninguém foi para o tal passeio. Na época a desculpa do imprevisto no trabalho do Marcus, não me convenceu. Sabia que tinha algo á mais nessa história, mas acabei por "esquecer". Não queria fazer alarde com Adriano, que já sofria por não se aceitar.

- Eu suspeitei que algo do tipo pudesse ter acontecido, mas não sabia que a intolerância do Marcus era tão grande.

- Estevão nunca suportou o preconceito do Marcus com relação a você. Depois desse fato os dois mau se falavam.

- Me sinto muito feliz em ter você e Estevão como amigos, aliás, vocês são os irmãos que eu não tive.

Depois da longa conversa com Estela voltei pra casa. Não sei descrever muito bem os sentimentos que povoavam meu coração naquele momento. Era uma felicidade? Era, pois minha relação com Estela era a mesma. Forte, sincera e honesta! Amizade verdadeira. Uma decepção? Talvez. Ouvindo os relatos de Estela, me senti um covarde. Ela lutou e foi sincera com seus sentimentos, e eu? Sempre me orgulhei por ser independente, de ajudar os amigos e às vezes por isso, renunciava minha própria vida. Apaixonei-me por Marcus e nunca disse isso a ninguém. Esse sentimento nasceu e morreu dentro de mim. Mas na verdade tudo estava dentro do contexto. Marcus era preconceituoso, machista e colocou em risco a amizade tão pura que tinha com os gêmeos. Ele não mereceu o meu amor e isso me consolou.

Decidi então, naquela noite que iria me afastar de vez de Marcus e seus problemas. Corria o risco de me apaixonar de novo por um cara que não merecia se quer a minha amizade. Avisei Noêmia que se ele me ligasse ou procurasse, eu nunca estaria em casa, tinha que tomar precauções para depois não sofrer.

Ele me ligou durante alguns dias e Noêmia cumpriu minhas ordens. Sentia um aperto no coração toda vez que o telefone tocava e era ele, pois depois de muita analise descobri que o sentimento que tinha por ele não era pena, e sim ternura, afeto, carinho, mesmo ele não merecendo.

Duas ou três semanas depois, havia combinado de almoçar com Estela em um shopping próximo ao o consultório em que ela trabalhava. Colocamos a conversa em dia e ela me contou que as coisas estavam na mesma situação. Que Marcus continuava a seguindo e ameaçando Juliano, mas que ela não iria renunciar o seu amor por isso. O papo estava agradável, até que percebi que a expressão do rosto de Estela havia mudado. Era Marcus que surgiu atrás de mim.

- O que você quer aqui? - protestou Estela - Não vai parar de me seguir, de me cercar. Não entendeu ainda que acabou e que eu não quero mais ver a tua cara.

Estela não deixou nem ele falar, levantou-se, pegou suas coisas e saiu me deixando sozinho sem saber o que fazer. Marcus ameaçou em ir atrás dela, mas eu o contive e o fiz sentar.

- Já conversamos e te falei que a força não vai conseguir nada. Só afastá-la mais de você.

- Não sei mais o que faço, estou a ponto de cometer uma loucura... de me matar!

- Não fale uma bobagem dessas, brother! Tu és um cara novo, rico, tem amigos...

- Não tenho ninguém não, Chris! - com lágrimas nos olhos, Marcus continuou. - As duas únicas pessoas em que confiava me traíram.

Sobre a mesma ele segurou uma de minhas mãos.

- Por favor, Chris, me ajuda... me ajuda a me reerguer!

Assim que puder continuo.

Comentários

Há 1 comentários.

Por Angellix em 2013-11-25 15:44:28
Amando... anciosa pela continuacao... Bjaum