Capitulo 05

Parte da série Essas Coisas Que Eu Mal Sei

Meu coração acelerou e aquele sentimento de ternura novamente tomou conta do meu peito. Coloquei minha outra mão sobre a dele, depois falei.

- Sou teu amigo, então não está sozinho.

Ele sorriu e logo o celular dele tocou. Marcus, já era formado em administração de empresas e fazia pós graduação naquele ano de 2004, mas seu trabalho era administrar a instituição de caridade que sua mãe mantinha na cidade. O telefonema era referente ao trabalho e assim se despediu de mim, pois um assunto urgente precisava de sua atenção. Logo que ele se foi, fiquei ali, no meio da praça da alimentação daquele shopping, tentando engolir os fatos recentes.

Naquela tarde quente de verão, depois do almoço andei meio que sem rumo em uma praça arborizada que cercava o prédio em que trabalhava. Precisava colocar minhas idéias no lugar, coisa que não estava conseguindo. Sentei em um dos bancos em frente a um chafariz. Senti uma leve brisa no rosto. A figura doce e saudosa de minha mãe surgiu em minha cabeça. Sempre penso nela quando tenho um problema e não sei como resolvê-lo.

Como lidar com Marcus e não me envolver? Que insensatez, pensei. Preciso desabafar com alguém.

Peguei o celular e mandei um SMS para Adriano: Preciso te ver essa noite! Te encontro as nove no lugar de sempre!

Adriano e eu não tínhamos mais um namoro, mas sim uma forte amizade. Com o passar do tempo vimos que nossa relação não era de amor, mas sim de cumplicidade. Tínhamos a mesma idade e os mesmos problemas. Aliás, os problemas dele eram bem mais sérios que os meus, pois eu já via a vida de uma forma mais simples. Já Adriano complicava, olhava sempre pelo lado negativo. Dizia que não era gay, e sim um cara que gostava de outros caras. Eu ria com a afirmação dele, e sempre afirmava que um cara que gosta de outros caras, nada mais é que um gay. Seu pai odiava, abominava homossexuais e isso foi torturante para ele. Ser um e não poder ser, por isso o fato de não se aceitar.

Naquela noite fomos a um bar próximo a faculdade, onde vários amigos tbm gays sempre marcavam presença. Queria rir e me divertir um pouco. E de fato isso aconteceu. Dividi o meu problema com eles e Letícia, uma querida amiga lésbica deu a sua opinião:

- Não adianta fugir dos problemas ou adiá-los. Eles voltam e são piores que juros bancários. Por isso te digo Chris: Viva esse momento com intensidade, e resolva esse problema de uma vez.

- Mas o cara é quase um homofóbico - destacou Adriano. - é suicídio se envolver com alguém assim. Acho que você deve se afastar desse maluco.

- Tanto preconceito pode trazer surpresas. - continuou Letícia. - e se na verdade ele é gay e por não se aceitar, tem essa homofobia?

- Já pensei nisso. Ele sempre me olhava de um modo que mexia comigo.

- Então Chris! Caí de boca que ele pode gostar. - incentivou Letícia aos risos.

Rimos muito da situação apesar da minha preocupação aparente. A noite foi tranqüila, entre amigos, muitas risadas, confidências e paqueras. Cheguei em casa mais calmo e sereno. Conversar com os amigos em que confiamos nos faz um bem enorme. Como poderia conviver com esses sentimentos que, não sei se quer explicar com palavras sozinho, não tendo alguém para dividir?

Rebeca já estava recolhida em seu quarto fazendo seus trabalhos artesanais. Minha querida baba dedicava seu tempo livre a confeccionar quadros. Haviam de todos os tipos... pequenos, médios, grandes, todos muito bonitos. Eram desenhos de paisagens, rostos humanos. Eu sempre demonstrei a vontade de fazer uma exposição de seus trabalhos, mesmo para os amigos mais íntimos, mas ela tinha vergonha e sempre se recusava.

Adentrei em seu quarto apos bater. Queria um pouco de colo, de carinho e de afeto que só ela podia me dar. Conversamos por um longo tempo. Nossa relação era de filho para com mãe e vice-versa.

Deitado em seu colo relatei todo o meu problema, e ela me ouviu com atenção. Por fim conclui:

- Como negar ajuda para alguém que despertou tamanho sentimento em mim no passado?

- E se negar você estará negando ajuda a si mesmo... Tua amiga tem razão, Chris! Tens que enfrentar esse problema logo, pois ele tem solução. Haja com o coração e nunca ira se arrepender. Tudo na vida tem um propósito e tu ira encontrar o teu.

Abracei Rebeca com carinho e como sempre, reafirmei minha promessa. A que sempre estaria com ela. Sentia remorso, por saber que por mim, ela abdicou boa parte de sua vida, e por isso, sempre prometi que nunca abandonaria.

Os dias seguiram normalmente. Marcus me ligava todas as noites para me falar de seu dia. O relacionamento de Estela e Juliano sempre vinha em pauta. Marcus sentia mais que mágoa... sentia-se rejeitado, abandonado e sozinho. Não tinha amigos com que pudesse demonstrar a pessoa frágil que era. E comigo conseguia conversar e abrir seu coração. Preocupava-me com ele, queria sempre o seu bem, e com o passar do tempo, aqueles telefonemas já faziam parte da minha rotina. Eram sempre após o jantar. De vez que outra íamos ao cinema, teatro, sempre como amigos. Nunca se quer demonstrou outra intenção, se não essa, a amizade. Eu já estava me habituando a ele e a sua amizade. Já não pensava tanto no sentimento que cultivei por ele no passado, e a amizade de Marcus se tornou importante em minha vida.

Em nenhum de nossos encontros ele falou sobre a minha sexualidade. Acho até que ele evitava o assunto. Por respeito a ele e para evitar qualquer tipo de mal entendido, tbm evitava a falar sobre isso. Com o decorrer do tempo as nossas conversas deixaram de ser somente Estela e Juliano. Ele me falava muito de seu trabalho na instituição de caridade. Orgulhava-se disso, e com razão, já que o trabalho dele e de Manuela, sua mãe era maravilhoso.

Como já relatei aqui, em 2004 estagiava no fórum de Porto Alegre. Prestava serviços comunitários para a população de baixa renda. Era um trabalho gratificante, mas com tudo, cansativo. Eram mães reivindicando pensões alimentícias, trabalhadores pedindo orientações em casos trabalhistas e assim por diante. Sentia-me bem em poder ajudar essas pessoas, era uma forma de estar mais perto de meu pai, que sempre prestou serviços comunitários quando vivo, por isso me identificava tanto com o trabalho de Marcus.

Mas tudo ficou mais evidente em abril daquele mesmo ano. Em uma sexta feira combinamos de jantar em um restaurante que Marcus escolheu. Como não conhecia o lugar, ele ficou de me buscar em casa. Não estava nervoso, pois já havíamos saindo outras vezes e nada havia acontecido, então para mim, não passava de mais um jantar de bons amigos. Mas ele conservava um brilho diferente no olhar... estava vestido com mais apuro, mais elegância e extremamente gentil comigo, o que me deixou muito sem graça.

O restaurante era refinado. Um salão amplo de refeições e outro, ao lado onde uma pequena orquestra apresentava musicas clássicas. Um típico programa de casal de namorados.

Estava assustado com aquele ambiente e com tamanha felicidade que Marcus demonstrava, com certeza demonstrei com a expressão de meu rosto. Depois que nos acomodamos na mesa que ele havia reservado. Marcus logo falou:

- Te trousse aqui hoje, para comemorarmos.

Continuei em silencio e ele prosseguiu

- Hoje eu me sinto curado da minha obsessão por Estela. Isso não quer dizer que deixei de amá-la... ainda a amo, mas esta cada vez mais fácil de viver sem ela.

- Fico muito feliz, Marcus! Tem uma frase que Su sempre me diz: "Ninguém é de ninguém, somos todos livres para amar quem quer seja, dês de que esse amor não faça mal a ninguém"... é mais ou menos isso.

- Su é muito sábia... o amor que sinto por Estela fez muito mal à ela, mas mais mal fez a mim. Torturava-me, queria ler os pensamentos dela, e claro que não conseguia.

- Mas hoje você já reconhece isso. É um passo muito importante.

Ele me fitou sério nos olhos.

- Devo isso a você. Te julguei muito mal desde o principio.

- Você está falando da minha sexualidade?

Ele apenas concordou com a cabeça enquanto degustava uma taça de vinho, eu continuei.

- O preconceito é algo normal e que acaba com o tempo. Já estou acostumado a ser prejulgado.

Novamente ele colocou uma de suas mãos sobre a minha.

- Não quero perder a tua amizade por nada nesse mundo, por isso quero que saibas que te aceito como tu és. Sei que em todo esse tempo em que saímos você nunca mencionou seus namoros, suas amizades, em respeito a mim. Não quero mais que faça isso. Quero ter outra visão sobre... - ele não achava as palavras corretas, então completei:

- Sobre essas coisas que você mal sabe.

Marcus tinha a capacidade de sorrir com os olhos e meu peito novamente se encheu de ternura para com ele. Assim como minha cabeça de dúvidas sobre aquela situação nova. O que será que ele pretendia com esse jantar "romântico"? Apenas agradecer a amizade?

- Sobre essas coisas que eu mal sei. Mas o que realmente sei de tudo isso é o quanto tua amizade se tornou importante em minha vida.

Assim que puder continuo.

Comentários

Há 2 comentários.

Por DiNasc em 2013-11-26 04:40:38
Seu conto tem um fundo de inspiração muito parecido com meu, porém retratam ambientes diferentes e vidas diferentes, ele está ótimo parabéns
Por Angellix em 2013-11-26 02:54:38
Seu conto esta muito bom... to adorando. Bjaum