Mais que uma lembrança [parte 13]
Parte da série Mais que uma lembrança
É indescritível o que eu senti naquele momento. Fiquei atordoado, parecia que eu estava sozinho naquela sala, não conseguia pensar em nada, não conseguia falar e nem prestar atenção no que estavam me falando. Senti apenas minha mãe se sentando ao meu lado, colocado a mão no meu rosto e me fazendo olhar pra ela. Ela falava, e eu ouvia sua voz, mas não sabia o que estava dizendo.
Minha mão quis pegar na metade do coração no meu peito, mas isso chamaria a atenção delas... Senti muita raiva, e de repente, eu comecei a pensar em coisas, e atribuir a culpa dessas coisas a mim mesmo. Algumas coisas eram bobas, outras, absurdas, outras tinham fundamentos. Mas a última que me veio à cabeça foi que eu não pude viver com o Bruno sem ter medo, sempre me escondi, não somente a mim, escondi nós dois porque tive medo do que as pessoas ao nosso redor pensariam, medo de que separassem nós dois. Mas agora, tinham acabado de nos separar, e aquilo acabaria ali? Tudo o que eu sentia pelo Bruno, e tudo o que passei com ele, teriam que ser enterrados e esquecidos por mim? Eu ia ter que fingir que não sentia nada além de amizade pelo Bruno?
Minha cabeça foi a mil por hora, não consegui controlar o tremor nas mãos, e pra disfarçar, apoiei os braços no meu joelho.
Não queria chorar, não na frente delas, mas olhei pra baixo e vi minha bermuda com alguns círculos mais escuros, igual quando as primeiras gotas da chuva caem no chão. Foi só então que pensei que nada importava naquele momento, segurei o coração na corrente por baixo da camisa, as duas pararam de falar, ficaram me observando, lágrimas escorriam pelo rosto da Elisa, mas ela estava mais controlada que eu.
Elisa: Se acalma, Lucas... O Bruno foi levado ao hospital, ele não morreu, mas está em coma... - ela disse com a voz trêmula.
Até então eu tinha pensado que ele tinha morrido, mas não me senti muito melhor. Se eu ouvi direito, ela tinha dito que ele estava em coma.
Lucas: Qual a gravidade?
Elisa: Pude vê-lo bem rapidamente. Ele se feriu bastante, disseram que foi um milagre ter sobrevivido...
Lucas: O que aconteceu... - fiz uma pausa pra enchugar as lágrimas - ... na estrada?
Elisa: Segundo o resgate, um caminhão perdeu o controle... - mas ela não conseguiu completar a frase.
Jaqueline: Se acalma, Elisa... Tudo vai dar certo!
Elisa: Meu ex-marido não aguentou chegar ao hospital... E agora eu to perdendo a única coisa de valor que ainda tenho.
Lucas: Ele não vai... morrer! Ele vai sair dessa!
Elisa: Se eles tivessem iso na segunda...
Ela tinha razão, o combinado era ir segunda, e o pai do Bruno mudou de opinião e quis ir antes. Não digo que foi culpa dele, que descanse em paz, mas se eles tivessem ido na segunda mesmo, talvez não tivessem sofrido esse acidente.
A Elisa se afastou e sentou no outro sofá, minha mãe deu-lhe um copo d'água, perguntou se ela queria algo mais, depois ofereceu pra mim, mas eu recusei.
Consegui controlar o choro, meus olhos doíam, acho que tinham muita coisa pra derramar ainda. Me levantei e fui ao banheiro, fechei as mãos em concha, enchi de água e molhei o rosto, repeti isso várias vezes. Ainda assim, sentia as lágrimas escorrendo, mais quentes que a água da torneira.
Enchuguei o rosto, tentei me acalmar. Tentei me convercer de que o Bruno não ia morrer, e que logo ele estaria lá comigo, pra eu empurra-lo na piscina, ver filme, andar pelo bairro, abraçar...
Jaqueline: Filho, tudo bem? - minha mãe bateu à porta.
Lucas: Tudo, já vou sair.
Abri a porta, ela estava lá, me deu um abraço e sussurrou pra mim: "vai ficar tudo bem. Você vai ver!".
Mas ela não entendia a situação, ela não sabia que eu estava muito pior por dentro do que ela pensou.
Fui arrastado de volta à sala pela minha mãe, me sentei em um sofá, e ela disse que a Elisa ficaria pra jantar em casa. Achei justo, ela não deveria ter tido tempo de praparar nada pra comer, e provavelmente não teria vontade de pedir algo.
O silêncio tomou conta da casa, quase não conversávamos, até parecia luto. Eu comi pouco, não reparei no quanto a Elisa comeu. Ao final, ela agradeceu minha mãe, e eu interrompi o silêncio.
Lucas: Elisa, desculpa falar nisso de novo, mas o Bruno pode receber visitas? Mesmo inconsciente, eu quero ver ele!
Elisa: Só familiares, por enquanto...
Lucas: Você não pode dizer que sou primo? Ou sei lá?
Jaqueline: Lucas!
Elisa: Tudo bem, Jaqueline... Eu vou ver o que posso fazer por você, Lucas! Sei que vocês são bons amigos.
Lucas: Obrigado! - falei depois de alguns segundos.
Ela sorriu, ajudou minha mãe a tirar a mesa e lavar a louça. Ela parecia mais calma.
Elisa: Agora eu preciso ir. Tenho que arrumar algumas coisas em casa, tenho 15 dias de licença, acho que vou pedir pro meu chefe!
Jaqueline: Não é melhor esperar o Bruno acordar? Assim você pode ficar em casa pra cuidar dele...
Elisa: Vou pensar nisso... De qualquer jeito preciso ir.
Despediu-se de mim, e foi acompanhada da minha mãe até o portão. Abaichei a cabeça e fiquei ali até minha mãe voltar.
Jaqueline: Lucas... Eu sei que é difícil...
Me levantei da cadeira e abracei minha mãe! Sussurrei um "obrigado, mãe" e fui ao meu quarto. Fechei a porta, abri a janela e fiquei olhando lá pra fora! Comecei a lembrar do dia em que conheci ele, nós nos demos bem desde o começo. Ele sempre me tratou como prioridade, mesmo antes de nos declararmos um ao outro. Só que eu nunca percebi, ou até tenha percebido, mas não associei as coisas.
Lembrei dos nossos melhores dias juntos, lembrei da Elisa me dizendo que ele tinha mudado por minha causa, o sentimento que aquilo me causou, sem contar quando eu entrei no quarto, e ele estava escrevendo a história, ou talvez tivesse terminado a história no papel, mas tivesse continuado imaginando. A surpresa que tive ao desamassar o papel e ler aquela história, onde os personagens tinham nossos nomes.
Voltei a realidade quando um vento gelado bateu em meu rosto, dando aquela sensação de que a pele estava sendo cortada. Ainda assim, não me mexi, fiquei ali, parado, encarando o céu estrelado e sentindo o vento no meu rosto. Demorei pra ir deitar, e quando deitei, não consegui dormir. Me virei várias vezes na cama, mas não tinha sono.
Desci até a sala e liguei a TV, peguei meu celular e escrevi: "tá acordado?".
Procurei nos meus contatos e enviei pro Davi, torcendo pro número dele ser aquele. Logo, tive uma resposta: "pra vc, sim... algum problema?".
Lucas: "o bruno".
Davi: "eu to sabendo... pode contar comigo pro que precisar".
Lucas: "só quero alguém pra conversar".
Davi: "pode conversar comigo, deve ser o que vc quer, já que me procurou a essa hora".
Lucas: "desculpa se te acordei".
Davi: "não tem problema... to sempre aqui pra você".
Por mais educado que ele estivesse sendo, eu comecei a me irritar com a atitude dele.
Lucas: "pode agir como um amigo por pelo menos um tempo?".
Davi: "desculpa, posso".
Fiquei um tempo sem enviar nada, e então ele mesmo enviou: "me acorda e depois me esquece? obrigado, viu".
Lucas: "perdão!".
Davi: "espero que dê tudo certo com o Bruno... não quero te ver perder o que ama".
Lucas: "achei que vc ia querer que a gente se separasse".
Davi: "quero! mas não se isso significar morte, ou sofrimento pra você".
Lucas: "vc não é tão mau quanto parace".
Davi: "obrigado, eu acho... só quero seu bem".
Lucas: "eu quero dormiir".
Davi: "vou aí cantar uma música de ninar no seu ouvido".
Lucas: "ooolha".
Davi: "parei, desculpa... é que não consigo segurar minha imaginação".
A essa altura entendi que ele estava excitado, pensando em mim. Achei melhor deixa-lo quieto e ir fazer outra coisa!
Lucas: "vou tentar dormir, desculpa ter te acordado".
Davi: "faça sempre que quiser".
Não respondi mais. Continuei assistindo TV e só fui pra cama por volta das quatro da madrugada. Só então consegui dormir um pouco, mas só um pouco, pois levantei oito da manhã. E por mais tempo que eu tenha enrolado pra levantar, não consegui dormir de novo!
Levantei, fui ao banheiro, voltei ao quarto, abri a janela, depois fui até a cozinha tomar café. Estava com uma dor de cabeça danada! Tomei uma neusaldina alguns minutos depois do café e depois me acomodei numa cadeira perto da piscina, no quintal.
Meu celular vibrou várias vezes no meu bolso, alguém estava me mandando uma mensagem atrás da outra, mas eu não me preocupei em ler nenhuma, nem ver quem era. Perguntei a mim mesmo como o Bruno estaria, será que ele ia acordar? E se acordasse, teria alguma sequela? É claro que eu não sabia as respostas, mas sabia que eu continuaria amando o Bruno independentemente de qualquer coisa.
A campainha tocou e eu relutei a ir abrir o portão. Abri e vi que era o Davi, e então fiz um comentário na brincadeira: Se soubesse que era você...
Ele fez uma cara, e então sorriu e respondeu: teria me esperado pelado, eu sei.
Lucas: Para com isso...
Davi: Quer dar uma volta? Ficar enfurnado chorando não vai ajudar.
Não respondi, fechei o portão e saimos andando.
Lucas: Você já sabia do Bruno quando veio em casa ontem?
Davi: Não, fiquei sabendo quando voltei pra minha casa. Me avisaram no facebook...
Lucas: Quem te contou?
Davi: O Gustavo...
Lucas: Hum...
Davi: Ele perguntou se eu sabia de você... Se você já sabia...
Lucas: Soube de noite, a mãe do Bruno foi em casa me contar.
Davi: Hum... Ela sabe sobre vocês?
Lucas: Não... Pelo menos, eu acho que não!
Davi: Ela deve ser legal...
Lucas: E é!
Continuamos andando, o Davi foi puxando assuntos aleatórios, tentando me distrair um pouco, e ele até conseguiu um pouco. Eu me senti melhor, mas o Bruno não saia da minha cabeça de maneira alguma.
Logo o Davi me deixou no portão de casa pedindo desculpas, e dizendo que tinha combinado com o pai de que ele ajudaria com algumas coisas na loja. E foi embora, prometendo voltar depois do almoço!
Só então olhei todas as mensagens no meu celular, e não me surpreendi ao ver que eram do Davi. A primeira me dando bom dia, a segunda, perguntando se eu queria andar um pouco, na terceira, ele dizia: "hey, se não responder vou ir aí", e, por fim, na quarta, ele dizia: "tudo bem, então, to indo... XD".
O Davi não era uma pessoa má, afinal. Ele só não aceitava meu namoro com o Bruno, e estava sempre cutucando isso.
Minha mãe chegou atrasada pro almoço aquele dia, ela cozinhou meio apreassada, conversou bastante comigo, quase todo o tempo ela falou sobre coisas que tenham acontecido no trabalho, coisa que ela quase nunca fazia, eu tive quase certeza de que ela estava tentando me fazer não pensar demais no Bruno. Eu tentei rir e conversar bem com ela, tentando demonstrar o inverso do que eu estava sentindo por dentro.
Jaqueline: Filho, vou ter que voltar pro trabalho, vai ficar bem sozinho?
Lucas: Não vou estar sozinho. O Davi não vai deixar.
Jaqueline: Ele é um bom amigo...
Lucas: Sim, é... - falei olhando pra baixo.
Enfim, ela me deu um beijo, pegou suas coisas e foi embora, não ouvi o barulho do carro saindo, mas logo tirei a camisa e comecei a lavar a louça. Tinha bastante coisa, minha mãe tinha deixado a louça do jantar do dia anterior sem lavar!
Quando estava na metade, a cMpainha tocou, eu enchuguei as mãos e fui abrir o portão.
Davi: Nossa, se cada vez que eu vier aqui, você me receber com uma peça de roupa a menos, vou vir toda hora...
Lucas: Entra, e não começa com graça!
Davi: É só brincadeira...
Fechei o portão e fui andando pra dentro.
Davi: O que tá fazendo?
Lucas: Lavando louça pra minha mãe!
Davi: Noossa, já pode casar.
Lucas: Não exagera, bobo...
Davi: Eh ajudo, só me diz o que tenho que fazer!
Lucas: Guarda o que já estiver seco...
Ele então começou a gaurdar algumas coisas, enquanto conversamos.
Davi: Pretende fazer o qie depois disso?
Lucas: Antes de você chegar, minha intenção era deitar e ver tv, mas como você gosta de controlar tudo, sei que vou acabar fazendo o que você quer.
Davi: Também não sei o que podemos fazer. Vou pensar em algo.
Fiquei em silêncio...
Davi: Posso perguntar uma coisa?
Lucas: Claro.
Davi: Você me perdoou?
Fiquei assustado com aquela pergunta.
Lucas: Olha, Davi... eu te perdôo. Só que eu não vou me esquecer do que passei por sua culpa.
Davi: Eu entendo, obrigado, ainda assim.
Sorri pra ele, que retribuiu com outro sorriso
Devagar, lavamos e guardamos toda a louça, demorou um pouco porque vez ou outra eu tinha que ir mostrar ao Davi onde ele devia guardar alguma coisa.
No final, eu deixei-o na cozinha sozinho por alguns minutos, para ir ao banheiro, e, quando voltei, ele não estava mais na cozinha, saí no quintal e encontrei o Davi na beira da piscina.
Ele se sentou quando me viu chegando perto, e começou a falar: Eu quase me declarei pra você aqui nessa piscina!
Lucas: Sério?
Davi: Sim... foi uma vez que eu dormi aqui, ficamos até tarde aqui fora, só nós dois. Foi o único dia que te vi de sunga! Aquele dia eu me senti importante pra alguém... Você sabia lidar comigo.
Lucas: Você sempre foi importante pra mim...
Davi: Você também foi, e ainda é importante pra mim... Você tem alguma história que quer contar? Alguma coisa que escondeu de mim? Agora pode contar...
Lucas: A que mais me marcou foi o dia que você dormiu em casa e nós tivemos que dividir o banheiro pra dar tempo de ir pra aula.
Davi: Você gostou, né?
Lucas: Claro, eu era louco por você. Mais um pouco e eu teria entrado naquele box com você.
Davi: Uui, eu teria gostado, mas a gente ia acabar se atrasando um pouco pra aula.
Lucas: Você também tirou proveito da situação!
Davi: Claro...
Lucas: Posso te contar uma coisa sobre aquele dia?
Davi: Claro...
Lucas: Quando você tirou a roupa pra entrar no box, eu estava te observando pelo espelho.
Mesmo com sua pele "café com leite", ele corou.
Davi: Espertinho você... E o que você achou do que viu?
Lucas: Só vi sua bunda... Você não virou de frente pra mim.
Davi: Hum... Se eu tivesse percebido, teria te provocado um pouco...
Lucas: Mais ainda?
Ele riu...
Davi: Você não tem jeito...
Ficamos um tempo em silêncio. Eu comecei a sentir o sol me queimando, apesar de ser um típico e fraco sol de inverno.
Davi: Naquela tarde você disse que tinha algo pra me contar. Você ia se declarar de qualquer jeito, ou tinha outra coisa pra dizer?
Lucas: Eu ia me declarar... E achei que você também ia... Por isso deixei você falar primeiro.
Davi: Hum... Sinto muito.
Lucas: Esquece isso...
Davi: Foi doloroso pra mim também... Saí da sua casa chorando naquele dia.
Lucas: Então você demorou pra bater o portão porque estava enchugando as lágrimas?
Davi: Mais ou menos isso mesmo...
Tirei o chinelo e pus as pernas dentro da pisicna. Ao mesmo tempo, o Davi tirou a camisa.
Davi: Desculpa... Mas esse solzinho tá esquentando.
Lucas: Quer ir pra sombra?
Davi: Não, na sombra vai estar frio.
Não pude deixar de raparar no seu corpo mais uma vez, peitoral definido e barriga "tanquinho", e, como posso explicar o detalhe final? Ele tinha um corpo grosso, "troncudo", como diria minha avó. Nem parecia ter só 17 anos.
Por sorte ele não me percebeu olhando pro seu corpo, pelo menos, acho que não! Meus olhos escorregaram e olharam suas pernas, que não ficavam pra trás!
Lucas: Você fazia academia lá?
Davi: Aham. Preciso continuar aqui... Você faz, né?
Lucas: Faço.
Davi: Preciso voltar a fazer também.
Mais um silêncio chato, aquele de quando os dois estão procurando um assunto, e cada assunto que surge, acaba rapidamente.
Lucas: Me disseram que você perguntou por mim no dia que fizeram sua despedida.
Davi: É verdade... Por algum motivo eu tive esperança de que você ia...
Lucas: Me convidaram, mas não consegui ir...
Davi: Eu entendo...
Lucas: E teria mudado alguma coisa se eu tivesse ido?
Davi: Não sei dizer... Eu estava confuso. Começando a me dar conta da besteira que tinha feito. É mentira se eu te disser que a chance de me declarar pra você naquele dia era nula, porque acho que era maior do que a chance de eu não me declarar... Mas não quero que você se sinta mal, ou culpado por não ter ido... Você fez a coisa certa! Eu mereci.
Lucas: Você merecia uma chance de se explicar...
Davi: Obrigado por ser tão bom comigo.
Fiquei em silêncio, eu não estava olhando pra ele, mas percebi que ele olhou pra mim. Parecia estar sorrindo. E eu estava simplesmente observando a água da piscina se movimentando. Soltei sem pensar: "não sei o que vou fazer se eu perder o Bruno".
Davi: Nunca passei por uma situação assim. Não sei o que te dizer... Mas eu to sempre aqui, se precisar de um amigo.
Lucas: Obrigado.
Davi: Por nada, bonitão. Agora, tenta se animar! Ele não vai morrer.
Lucas: Espero que não.
Davi: Deixa de ser pessimista.
Lucas: Tem razão, desculpa.
Davi: O Bruno é seu primeiro namorado?
Lucas: Sim.
Davi: Então sua primeira vez foi com ele?
Lucas: Sim.
Ficamos naquele silêncio insuportável.
Lucas: E você? Já comeu alguém? - deixei escapar.
Ele riu, e eu me expliquei: Desculpa, é que não to pensando antes de falar.
Davi: Tudo bem... Mas, sou virgem. Nunca namorei e nem "comi" ninguém. - ele disse "comi" com um tom de voz diferente. - Nem fui comido. - completou rindo.
Lucas: Entendo...
Davi: Acho que já perguntei, só não lembro a resposta! Você á ativo, ou passivo?
Lucas: Ativo...
Davi: Nunca quis ser passivo uma vez?
Lucas: Pra falar a verdade, sim. Mas o Bruno nunca demonstrou interesse em ser ativo.
Davi: Entendo. Vocês formam um casal bonito. E quando você tá com ele, parece ser bem protetor.
Lucas: Como?
Davi: Parece que saltaria na frente dele pra ele não tomar um tiro...
Dei uma risadinha.
Lucas: É, eu me sinto assim.
E mais uma vez o silêncio predominou. O único barulho era do Davi balançando a perna na água da piscina.
Davi: Pode parecer que to aqui tentando de roubar dele. Mas só venho como amigo. Não quero te deixar sozinho, mesmo que seja bom ficar só de vez em quando.
Lucas: Obrigado, Davi.
Nesse momento meu celular tocou, não conhecia o número, mas atendi assim mesmo.
Lucas: Alô.
Voz: Lucas?
Lucas: Sim.
Voz: Aqui é a Elisa.
Meu coração disparou, me preparei pra notícias ruins, e quando percebi, minha mão estava na perna do Davi. Tirei-a de lá e pus sobre a minha própria perna.
Lucas: Oi, Elisa.
Elisa: Fica preparado lá pelas seis e meia eu passo daí te pegar.
Lucas: Pra quê?
Elisa: Vou te levar pra ver o Bruno.
Lucas: Sério? Ele acordou? - falei animado.
Elisa: Ainda não, querido. Só me deixaram levar você pra vê-lo.
Lucas: Ah, tudo bem. Eu te espero, então.
Elisa: Tudo bem. Até mais tarde.
Lucas: Até.
Coloquei o celular atrás de mim e olhei pra baixo.
Davi: O que aconteceu?
Lucas: Nada, ela só conseguiu que me deixassem entrar pra ver o Bruno.
Davi: Que bom, mas porque essa cara triste?
Lucas: Nada...
Ele deu um soquinho no meu braço, e disse: Vai, melhora essa cara. Não vai levar boas energias pro Bruno desse jeito!
Tentei dar um sorriso, eu não sei explicar porque estava triste! Eu simplesmente estava!
Davi: To lembrando agora... To te devendo uma coisa...
Lucas: O que?
E então ele me abraçou e se jogou dentro da piscina, me arrastando junto! Nadei até a beirada, pus as mãos no chão e dei impulso pra cima. Nesse momento, com o peso da água, minha bermuda desceu e ficou no joelho, com a pressa, tentei levar uma perna pra frente e caí de peito no chão.
Não me machuquei, mas não levantei no mesmo instante. Comecei a rir, esparramado no chão, de cueca e com a bermuda no joelho. Ouvi o Davi saindo da piscina e vi seus pés parando do meu lado.
Davi: Tudo bem? Se machucou?
Lucas: Não.
Me virei de barriga pra cima, olhei pra ele, vi seu corpo por baixo, a bermuda colada na perna, e água pingando do seu queixo.
Davi: Levanta. - ele disse estendendo a mão. Mas eu não segurei, fiquei deitado.
Davi: Tudo bem, então eu deito.
Ele se jogou do meu lado e deitou de barriga pra cima, igual eu.
Lucas: Obrigado.
Davi: Não tem que agradecer.
Lucas: Só falta sua bermuda estar nos joelhos. - falei brincando.
Não era a minha intenção, e eu não esperava por aquilo, mas ele abaixou a bermuda até o joelho. Eu senti meu rosto queimar. Não olhei pra baixo de maneira nenhuma.
Davi: Pronto! Não falta mais.
Dei uma risadinha. Eu não queria olhar pra baixo. Eu sabia que minha cueca era bem justa ao corpo, e que ele não tinha perdido a chance de me olhar. Mas eu não queria olhar pra ele de cueca, aquilo começou a ficar sério, de um jeito que eu não queria que ficasse.
Davi: Somos piores que criança...
Lucas: Eu concordo.
Davi: Agora vai dar frio.
Lucas: Eu já to com frio. Quer uma toalha pra se secar?
Davi: Por favor!
Me sentei e puxei minha bermuda pra cima, não olhei direto pro Davi, mas vi que sua cueca era preta, me levantei e saí logo dali. Peguei duas toalhas no meu quarto e voltei até lá fora. Entreguei uma ao Davi, que já tinha colocado a bermuda de novo, e me enchuguei com a outra.
Lucas: Quer uma roupa seca emprestada?
Davi: Não precisa... Eu vou pra casa me trocar... Vem comigo? Se troca lá e vamos.
Hesitei um pouco, pensei nas consequências, e pensei em possíveis situações.
Davi: Tudo bem, não vou arrancar pedaço.
Lucas: Tudo bem... Eu vou.
Fui ao meu quarto, me certifiquei de trancar a porta, tirei a roupa, me enchuguei melhor e vesti outra roupa seca. Depois desci até lá, o Davi tentou torcer a camisa, mas só piorou as coisas, então ele teve que sair na rua sem camisa mesmo. Foi uma cena "lindja", ele com cabelo e bermuda molhados, sem camisa e carregando na mão uma camisa amarrotada e molhada.
Encontramos algumas pessoas pelo caminho, que ficaram olhando pra ele com uma cara estranha.
Davi: A rua nunca está deserta quando você precisa que esteja.
Lucas: Lei de Murphy...
Davi: Haha. O que será que estão pensando sobre a gente?
Lucas: Sei lá...
Davi: "nossa, esses esse branquinho é selvagem".
Dei risada e fiquei vermelho ao mesmo tempo.
Quando entramos na casa dele, eu tive uma enchurrada de lembranças. Não havia ninguém em casa.
Davi: Meus pais estão cuidando de algumas coisas na loja. As coisas estavam uma bagunça quando eles chegaram.
Lucas: Que coisa...
Davi: Eles ficaram bem nervosos...
Sem pensar, eu fui seguindo o Davi, e quando entramos no quarto, ele me olhou e disse: "Quer ver eu me trocando?".
Lucas: Eita, desculpa... Eu estava distraído.
Saí e fechei a porta do quarto. Fiquei encostado na parede, ouvindo som de roupa molhada, portas e gavetas do guarda-roupa sendo abertas e fechadas, e logo o Davi abriu a porta, estava com uma bermuda cinza escura e camisa branca. Carregava na mão toda a roupa molhada.
Davi: Vem...
Segui ele, que levou a roupa encharcada até a lavanderia e depois voltou ao quarto. Eu olhei bem, a cama era diferente, mas o guarda-roupas era o mesmo, assim como a escrivaninha. Eu não me lembrava de ter um criado-mudo no quarto dele, mas era o que menos me trazia lembranças.
Davi: Se sente mal por estar aqui?
Lucas: Não... É que eu lembro de muitas coisas...
Davi: Lembra que a gente sempre dormia na mesma cama?
Lucas: Lembro...
Davi: Eu ficava mexendo na sua mão enquanto você dormia de noite.
Lucas: Sério? Nunca senti nada.
Davi: Você tem um sono pesado... Tinha dia que eu estava meio romântico e sussurrava no seu ouvido que te amava. Aí, no outro dia, eu acordava torcendo pra você, de alguma forma, ter escutado.
Lucas: Que coisa... Por que nunca teve coragem de me dizer?
Davi: Medo de perder sua amizade. Eu preferia ser seu amigo e te amar em segredo do que arriscar perder sua amizade.
Lucas: Quando eu paro pra pensar hoje, eu vejo que era tão evidente o que cada um sentia...
Davi: Eu penso da mesma maneira... Acho que a gente não devia ficar junto na época!
Na época? Pensei em perguntar, mas tive medo de que aquilo nos levasse à um clima entranho. Então deixei pra lá.
Lucas: É...
Davi: Você tem academia hoje?
Lucas: Tenho, mas não to disposto a ir...
Davi: Entendo... Só não abandona.
Lucas: Pode deixar.
Davi: To pensando em chamar o pessoal pra ver filme aqui essa semana, o que você acha?
Lucas: Você que sabe...
Davi: Você vem?
Lucas: Depende de muita coisa... Mas eu venho se eu estiver bem.
Davi: Entendo... Vou marcar um dia e te aviso.
Lucas: Tá bom.
Descemos até a cozinha e eu bebi um copo d'água.
Davi: Não lavei a louça pra minha mãe.
Lucas: Quer ajuda? Você me ajudou... Tenho que retribuir.
Davi: Que belo programa... - disse rindo.
Lucas: Tem algo melhor pra fazer? - mas instantaneamente me arrependi de perguntar aquilo.
Davi: Não. - ele disse, pro meu alívio.
Quando terminamos de lavar a louça, eu olhei no relógio e vi que já era mais de cinco da tarde.
Lucas: Davi, eu vou pra casa. Logo a mãe do Bruno vai me buscar, eu quero me arrumar.
Davi: Tudo bem... Vai lá. Até amanhã.
Lucas: Até!
Ele ainda me acompanhou até o portão, estendeu a mão fechada pra mim, como se fosse dar um soco, e eu fechei a mão do mesmo jeito e dei um soco fraco na mão dele, que sorriu e ficou esperando eu me afastar um pouco pra fechar o portão.
Quando cheguei em casa, minha mãe já estava lá.
Jaqueline: Foi pra academia de chinelo?
Lucas: Não... Eu tava na casa do Davi.
Jaqueline: Ah, fizeram as pazes?
Lucas: Como assim?
Jaqueline: Parecia que estavam brigados... Antes dele viajar viviam juntos, e quando ele voltou vocês mal se falaram...
Lucas: Aah, impressão sua...
Jaqueline: Sei...
Lucas: E Elisa vai passar daqui me pegar lá pelas seis e meia, ela conseguiu que me deixassem ver o Bruno.
Jaqueline: Tem certeza, filho?
Lucas: Tenho, mãe!
Jaqueline: Tudo bem, então. Vai se arrumar?
Lucas: Claro, não vou assim não.
Jaqueline: Então tá...
Deixei ela na cozinha e fui ao meu quarto, peguei uma toalha e roupa e fui ao banheiro tomar banho. Quando sai, senti que já estava esfriando. Me vesti com uma calça e camisa e fiquei na sala assistindo TV. Todo ansioso pra ir logo ver o Bruno.
Sempre que eu ouvia barulho de carro, eu ficava nervoso. Até que depois de ouvir um carro, a campainha tocou. Dei um pulo do sofá e fui abrir o portão.
Finalmente, me vi de frente pra Elisa.
Elisa: Vamos?