Mais que uma lembrança [parte 15]
Parte da série Mais que uma lembrança
Olha aí, pessoal! Consegui postar dois capítulos no mesmo dia! Kkkk. Aí vai!
Acordei no outro dia com o corpo pesado, não posso dizer que dormi bem naquela noite, e também não acordei perfeitamente bem! Meus ombros estavam doendo, e doíam se eu me esticasse muito.
As luzes do quarto estavam apagadas, a porta, aberta! Provavelmente minha mãe tinha apagado a luz em algum momento da noite.
Me desenrolei do cobertor, pus um tênis e fui ao banheiro. Quase morri pra lavar a mão naquela água pra lá de gelada! E logo depois desci até a cozinha. Eu estava com vontade de comer sucrilhos, mas não ficava bom com leite quente, e eu não queria nada gelado, então tive que me satisfazer com leite normal e pão.
Não demorou muito para o meu celular tocar pela primeira vez. Eu já sabia o que era, antes mesmo de olhar. Uma mensagem, do Davi, que dizia: "bom dia! vem ver filme! por favor! você não pode se isolar do mundo!".
"Não estou me isolando", pensei. Mas não respondi.
Coloquei meu celular no silencioso, larguei ele em cima da cama e fui me sentar em uma cadeira no quintal. O sol até que estava quente, mas o vento gelado não parava nem por um minuto! Fiquei encarando a água da piscina balançando.
Nota: Agora que parei pra escrever essa história, percebo que eu fiquei realmente deprimido.
A campainha tocou, e eu quis gritar. Era tão difícil assim para o Davi perceber que eu não queria a companhia dele o tempo todo? Demorei pra levantar da cadeira, pensando na possibilidade de não atender o Davi, mas o que me fez ir abrir o portão, foi uma voz me chamando do lado de fora.
Ela chamou a primeira vez, e eu parei e me perguntei se tinha ouvido bem. E depois que ela chamou pela segunda vez, eu sai apressado para abrir logo o portão.
Gustavo: Tá querendo se esconder do mundo é?
Lucas: Só do Davi... Desculpa.
Gustavo: Tudo bem. - ele disse rindo. - O Davi anda te perturbando?
Lucas: Não sei se é intencional... Mas ele não larga mais do meu pé.
Gustavo: E se esconder vai ajudar? No meu ponto de vista, ele só vai te procurar mais ainda.
Lucas: Não sei, Gustavo... Não sei mesmo.
Me sentei em um sofá, e ele no outro.
Lucas: Veio só pra me ver?
Gustavo: Eu tentei te ligar e você não atendeu... Então pensei em passar daqui pra ver ses você estava bem.
Lucas: Hum... Meu celular tá no silencioso, lá no meu quarto. Eu não ia ver você me ligando nunca.
Gustavo: Você foi ver o Bruno ontem?
Fiz que sim com a cabeça.
Gustavo: E como ele está?
Lucas: Bem machucado, e em coma...
Gustavo: Lucas... se quiser conversar com alguém... Desabafar... Você sabe que sou seu amigo, e nunca vou tirar proveito do estado do Bruno pra me aproximar de você de uma forma errada.
Lucas: Eu sei, Gustavo... Obrigado.
Gustavo: Eu sei que você não deve querer proximidade com o Davi... Mas tenta ir hoje de noite na casa dele! Eu vou também. Posso sentar no meio de vocês dois se quiser. - Ele fez uma pausa, me olhou, e eu não respondi. - Vou adorar fazer isso, vai que ele me dá uns beijos...
Foi a primeira vez que dei risada naquele dia, talvez até contando com o dia anterior.
Lucas: Você ia adorar, né?
Gustavo: Não ia mais largar dele. - respondeu rindo.
Lucas: Vou tentar ir.
Gustavo: Vai sim. Se quiser eu passo daqui e a gente vai junto.
Lucas: Pode ser, então.
Gustavo: Combinado! Nove horas eu passo daqui!
Lucas: Tá.
Ele se levantou e, quando chegou na porta, olhou pra mim e disse: Eu sei que pode parecer estranho eu perguntar isso... Mas você vai ficar bem aqui sozinho? Não quer uma companhia diferente do Davi?
Lucas: Obrigado, Gustavo...
Gustavo: Entendo... Então eu vou indo.
Lucas: Até mais tarde.
E ele se foi.
Depois do almoço, eu aproveitei que o vento gelado parou e fui tomar um solzinho. Eu não faria essa loucura num dia de verão (afinal, a intenção não era me assar), mas o sol do inverno estava bem fraco, eu mal sentia o calor na minha pele.
Sentado ali no sol eu me lembrei de um dia, conversando com o Bruno enquanto voltávamos na escola. Não devo ter contado em nenhum capítulo isso, porque se eu fosse contar tudo com todos os detalhes, escreveria uma bíblia aqui.
Bruno: Tem vontade de fazer algo bobo?
Lucas: Como assim?
Bruno: Fazer alguma coisa fora do normal. Alguma coisa boba...
Lucas: Tipo uma fantasia, um fetiche? Algo assim?
Bruno: Mais ou menos.
Lucas: Me dá um exemplo, que eu vou entender.
Bruno: Nadar pelado na piscina.
Lucas: Ah, entendi o nível da coisa... - falei rindo.
Bruno: Assim eu me sinto um idiota.
Lucas: Você não é idiota, Bruno. Você sabe nadar?
Bruno: Não... Nunca gostei muito de água, tipo... piscina, mar...
Lucas: Entendi. Então eu vou te ensinar a nadar.
Ele me olhou meio sem entender... E então eu fiz questão de completar a frase.
Lucas: ... vou te ensinar pelado. - falei rindo.
Bruno: Seu bobo. - ele disse rindo também, e vermelho.
Me dei conta de que eu estava sorrindo ao me lembrar daquilo. Senti tanta saudade do Bruno! Saudade de conversar, caminhar com ele da escola até em casa; saudade das brincadeiras e das risadas juntos. Dos abraços, beijos e momentos a sós. Mas, pela primeira vez, eu não fiquei triste ao pensar naquilo. Acho que posso usar a palavra "entusiasmado", porque fiz planos e criei expectativas pra quando o Bruno acordasse.
Não sei quanto tempo fiquei ali no sol, porque não olhei no relógio quando me levantei e sai andando sem rumo pela casa, lavei a louça depois entrei no banheiro, passei uma água no corpo, me sequei e me esparramei no sofá. Parei pra pensar, e aquela sala não me trazia lembranças do Davi, exceto do dia que ficamos assistindo filme lá, mas nada mais do que isso. Aquela sala só me fazia lembrar do Davi. Naquele dia ele se sentou bem no sofá onde eu estava deitado, mas tentei não pensar naquilo e liguei a TV, estava passando novela, mudei de canal até me convencer de que não havia nada que valesse a pena assistir.
Mais tarde, quando já era quase quatro e meia, eu vesti uma roupa e fui pra academia. Bom, acho que eu escolhi um dia ruim pra superar a tristeza e ir pra academia. Porque quando cheguei lá, todos estavam agitados, alguns pareciam confusos. Olhei pra um cara mais velho que eu costumava bater papo de vez em quando, seu nome era Rogério, e perguntei o que havia acontecido.
Rogério: Um garoto ficou provocando aquele seu amigo. Ele perdeu a paciência e virou um soco no moleque. Eu estava de costas, então não vi a cena, mas quando me virei, o garotinho tava meio desnorteado.
Lucas: Que amigo meu?
Rogério: Aquele fortinho...
Brilhante descrição ele deu, se levarmos em conta o local onde estávamos. Mas pensei no meu amigo mais encorpado...
Lucas: O Vinicius?
Rogério: Acho que é... Porque o moleque ficou chamando ele de "Vini".
Lucas: Mas que tipo de provocação?
Rogério: Foi bem vulgar... Se o Vinicius não tivesse batido nele, provavelmente alguma outra pessoa acabaria batendo. Você já ouviu os boatos, né? Que o Vinicius é gay?
Lucas: É, já ouvi falar...
Rogério: Então, o garoto ficou provocando ele por isso... Falando coisas como se quisesse comer o Vinicius. - ele falou "comer" num tom de voz bem mais baixo. - Foi ridículo.
Lucas: E cade os dois?
Rogério: O instrutor tirou eles daqui, não sei pra onde foram. Bem que o instrutor podia dar mais uma surra naquele garoto.
Olhei pra ele meio sério.
Rogério: Meu filho é gay. E eu não perdoaria quem mexesse com ele por causa disso.
Me senti bem ao ver a postura daquele cara, acho que são raros os pais que defenderiam o filho gay. Ele deu um sorriso quando percebeu que eu não sabia o que falar.
Rogério: O que foi?
Lucas: Nada... É que, às vezes parece tão difícil ver alguém que pensa como você.
Rogério: É, eu sei bem o que você quer dizer.
O assunto acabou com isso. O Vinicius não voltou, e pelo jeito o garoto que provocou ele também não. Eu não sabia quem era, mas também preferia não saber.
Quando voltei pra casa, a minha mãe estava no telefone. Quando ela me viu entrando, disse "ah, espera, ele chegou agora". Depois se virou pra mim e disse: Filho, a Elisa quer saber se você quer ir ver o Bruno hoje.
Pensei muito antes de responder, não sei o que me motivou a responder que não. Devo ter pensado que ver o Bruno naquele estado de novo não me faria muito bem. Eu já tinha me conformado com a situação e estava me sentindo melhor. Mas eu tinha medo que tudo isso fosse destruído quando eu visse o Bruno naquela maca de novo.
Eu sentei na mesa, estava com fome, comi um pão e um copo de leite frio com nescau. Quando minha mãe desligou o telefone, ela se virou pra mim: Por que não quer ir hoje? Aconteceu alguma coisa?
Lucas: Não, mãe. É só que eu não to a fim...
Jaqueline: Sem problema...
Lucas: Nós vamos ver filme hoje de noite...
Jaqueline: Nós quem?
Lucas: Davi, Gustavo, talvez o Vinicius, Igor, e eu. Na casa do Davi.
Jaqueline: Você vai dormir lá?
Lucas: Não pretendo.
Jaqueline: Bom, se você não voltar, preciso me preocupar?
Ela não... Mas se eu dormisse no Davi, era eu quem deveria me preocupar.
Lucas: Não.
Jaqueline: Ok.
Não jantei em casa, só fiquei sentado fazendo companhia pra minha mãe, e ajudei a arrumar a mesa. Depois tomei um banho rápido, me arrumei e fiquei esperando o Gustavo, que tocou a campainha logo que me sentei no sofá pra esperar.
Me despedi da minha mãe, peguei meu celular e fui.
O Gustavo estava com uma camisa sem manga e bermuda, sempre achei ele bonito, mas nunca considerei ele mais do que um amigo! Seu perfume era maravilhoso, e ele tinha um sorriso contagiante.
Gustavo: Pronto?
Lucas: Vamos lá...
Gustavo: Então você quer que eu atrapalhe o Davi se ele tentar alguma coisa?
Lucas: Entra na frente se ele tentar me beijar...
Gustavo: É comigo mesmo... - disse rindo.
Lucas: Nunca imaginei que você fosse gay.
Gustavo: Posso dizer o mesmo de você... Acho que algumas pessoas sabem ser bem discretas, né?
Lucas: É...
Gustavo: Acho que o Davi tava com pressa, pra não querer esperar até sexta pra ver filme...
Lucas: Você acha que ele tem alguma intenção?
Gustavo: Acho que não... É porque a gente não tem aula amanhã mesmo...
Lucas: É...
Toquei a campainha da cada do Davi e o Vinicius abriu o portão pra nós. Olhei-o nos olhos, acho que ele deveria, no mínimo, imaginar que eu já sabia da sessão de luta livre dele na academia. Mas ele estava sorrindo, então me convenci de que estava tudo bem.
Vinicius: E aí, pessoal... A casa não é minha, mas fiquem a vontade.
Nós entramos, não havia ninguém na casa, o carro não estava na garagem e nem mesmo o Davi estava lá. Só encontramos o Igor sentado no sofá.
Lucas: E o Davi?
Igor: Eu comprei a casa dele... - falou rindo.
Vinicius: Ele foi buscar pizza com os pais. Parece que os dois vão sair também, não tenho ideia pra onde vão...
Gustavo: Espera aí... Vamos ficar sozinhos aqui?
E então o Vinicius fez que sim com a cabeça. Talvez eu devesse ter me sentido mais a vontade, mas não foi o caso. O Igor era o único lá que não era gay, pelo menos não que eu soubesse.
Logo o portão abriu, e o Davi entrou sozinho. Ele me olhou com um sorriso que eu não retribuí. O Igor foi o único que foi ajuda-lo a carregar as pizzas e refrigerantes.
Bom, as coisas não viraram uma bagunça total, nós ficamos comendo e conversando na cozinha. Depois de comermos, todos se acomodaram na sala, e eu fui o único que ficou de camisa. Não queria tirar, não me sentiria a vontade. Eu me sentei num canto do sofá, e o Gustavo se sentou do meu lado. O Davi não olhou com cara feia nem nada. O Davi colocou um filme que eu nem lembro do que era, porque não prestei atenção em nada.
Eu não lembro de muita coisa daquele dia, mas depois de conversarmos um pouco, o Davi entrou perguntando quem bebia. Eu não bebia com frequência, mas o Igor era o único que nunca tinha bebido nada, o que fez o Davi dar coca cola pra ele. Mas pros outros que aceitaram, não lembro que tipo que bebida que foi. Mas não era cerveja, até porque eu odeio cerveja. E não exagerei a ponto de não sabe o que estava fazendo...
Abri os olhos e vi que eu estava deitado numa cama, ainda vestido, pro meu alívio. Só estava sem camisa, mas eu me lembro de ter tirado voluntariamente.
Eu não sabia dizer em qual casa estava, então eu me sentei na cama e assustei quando vi o Davi sentado no chão, encostado na parede.
Davi: Bom dia.
Lucas: Bom dia, você passou a noite aí?
Davi: Claro que não.
Lucas: E o que aconteceu?
Bom, você sabe que algumas pessoas, quando bebem, ficam mais soltam e se entregam pro que sentem, né?
Levantei da cama, ele deve ter pensando que eu ia bater nele ou sei lá, porque ele se levantou assustado, como se fosse correr.
Lucas: O que nós fizemos?
Davi: Só to brincando... Eu não ia tirar proveito disso. Você começou a chorar ontem de noite, dizendo que era um idiota por estar aqui se divertindo enquanto o Bruno estava em coma no hospital.
Lucas: Ah, eu fiz isso?
Davi: Não se preocupe, você não fez escândalo. E não parecia ter bebido, tava mais firme que eu. Desculpa se te obriguei a beber.
Lucas: Não obrigou... Eu que exagerei... Não lembro direito.
Davi: Você e o Gustavo se entusiasmaram um pouco. Ele dormiu no sofá logo depois de você chorar e eu te trazer pra cá. Depois ele acordou sozinho e foi embora.
Lucas: Que maluquice...
Davi: É, foi... Mas foi divertido.
Fiquei em silêncio. E ele perguntou: Algum problema?
Lucas: Acho que eu fiquei mais realista bêbado.
Davi: Ei, para com isso! Todos nos sentimos mal pelo Bruno. Mas você não pode ficar trancado dentro de casa por isso, se fizer as coisas assim, você vai surtar.
Não respondi. Acho que os dois tinham razão. Eu não podia esquecer do mundo e de mim mesmo, e acho que não haveria problema tentar me distrair, desde que isso não ofendesse o Bruno de alguma forma.
Lucas: Eu to na sua casa?
Davi: Já não reconhece mais meu quarto?
Lucas: Ainda nem olhei em volta...
Ele riu...
Davi: Acho que você queria ter ido pra sua casa, né?
Lucas: Por que acha isso?
Davi: O Gustavo me pediu pra ter mais respeito por você...
Lucas: Você sabe do Gustavo?
Davi: Que ele é gay? Sei... Você tem medo que eu, de alguma forma, abuse de você? Acha que eu faria algo assim?
Lucas: Não é isso...
Davi: Lucas, eu era seu melhor amigo, não sei se ainda sou... Mas eu amo demais você! Nunca vou fazer nada contra sua vontade! Claro que te dei um beijo uma vez... Mas não se compara a eu te forçar a transar comigo, e nem te deixar chapado pra você fazer isso. Se a gente tiver que ficar junto, vai acontecer com o tempo, e não com uma idiotice qualquer que eu fizer.
Por um momento eu me senti mal por pensar aquelas coisas do Davi. Realmente não combinavam com ele.
Lucas: Desculpa, Davi... Eu não pensei direito.
Davi: Claro que desculpo... Você sabe que te amo.
Dei um "meio-sorriso", e então ele riu, se levantou e disse: Vamos tomar café...