Mais que uma lembrança [parte 16]
Parte da série Mais que uma lembrança
Eu fui ao banheiro antes de ir pra cozinha, o Davi ficou colado na porta me esperando sair, acho que ele estava com medo de que eu ia desmaiar ou dar algum surto de novo, rs.
Depois que sai, nós fomos até a cozinha e tomamos café.
Lucas: E seus pais?
Davi: Chegaram em casa onze e meia, eu já tinha te levado pra cama. Agora de manhã eles foram cuidar de algumas coisas da loja.
Acho que eu podia confiar no Davi, se ele quisesse fazer alguma coisa má intencionada, teria feito aquela noite.
Lucas: Eles sabem do que aconteceu?
Davi: Não... Se eles souberem que eu embebedei você, me matam. Minha mãe acho que gosta mais de você do que de mim...
Lucas: Eu não queria ter dado vexame.
Ele riu.
Davi: Relaxa... É normal. Eu fiquei preocupado quando você começou chorar... Não sabia se ligava pra sua mãe ou não... Você não confirmou se ia dormir aqui.
Lucas: Eu avisei que se eu não voltasse, era porque tinha dormido aqui.
Davi: Que bom...
Lucas: E onde você dormiu?
Davi: No sofá.
Lucas: Devia ter me deixado no sofá e ido pra sua cama.
Davi: Não. - ele disse balançando a cabeça. - Você é mais importante que eu.
Ele conseguia ser muito fofo. Mas na época eu achava que só um milagre me faria deixar o Bruno pra ficar com o Davi.
Lucas: Não sou não.
Ele sorriu, mas não ficou fazendo manha dizendo "é sim, é sim".
Davi: Vai ver o Bruno hoje, né?
Lucas: Tenho que ir. Não fui ontem.
Davi: Ele deve estar cm saudade. - talvez pra você, que está lendo, pareça que isso tenha sido uma brincadeira ou algo pra tirar sarro. Mas ele falou sério.
Lucas: Não tanto quanto eu! - falei com os olhos enchendo de lágrimas.
Davi: Não chora. Não queria te fazer chorar.
Lucas: Tá tudo bem... Não é de tristeza.
Davi: Melhor assim.
Lucas: Você vai voltar pra mesma escola aqui?
Davi: Vou... Quem sabe fico na mesma classe que vocês.
Lucas: O Gustavo ia ficar feliz... Sabe que ele é doido por você, né?
Davi: É só atração... Ele quer meu corpo. - disse rindo.
Lucas: E o que você quer?
Davi: Alguém que me complete.
Lembrei da minha corrente. Eu estava tão acostumado com ela, que nem sentia ela no meu pescoço. Toquei a metade do meu coração e o Davi deixou de sorrir. Olhei em seus olhos, e ele disse: "Quero que você seja feliz... Tanto faz se vai ser com ele ou comigo".
Lucas: E se eu quiser que você seja feliz também?
Ele riu e respondeu: Eu vou ficar feliz se souber que você está feliz.
Era o mesmo Davi de sempre, no final das contas.
Lucas: Davi...
Davi: Que foi?
Lucas: Então você também sabe sobre o Vinícius?
Davi: Sei...
Lucas: É verdade mesmo?
Davi: Parece que é... Mas não vou perguntar, não sou um super amigo dele.
Lucas: Uhum...
Davi: Você se importa com ele?
Lucas: Por que? Vai ficar com ciúmes?
Davi: Morrendo... - ele disse rindo.
Lucas: No começo, bem no começo, eu me interessei um pouco por ele. Mas o meu interesse era igual o interesse do Gustavo por você...
Davi: Entendi...
Lucas: Mas hoje eu não ligo muito pra ele... Claro que acho que bonito... Mas é só.
Davi: E eu?
Lucas: Não sei o que você acha...
Ele riu e falou: Não! Eu quis dizer o que você acha de mim?
Lucas: Ah, Davi... Não faz isso.
Eu não podia enganar a mim mesmo! O Davi era lindo! Educado, atencioso e aparentemente carinhoso, rs.
Davi: Desculpa... Só fiquei curioso.
Lucas: Tudo bem... Só não esquece que meu namorado é o Bruno.
Davi: Não vou... Mas o que que tem? Eu só perguntei se você me acha bonito!?
Lucas: Acho.
Davi: Você também é... lindo.
Não respondi, eu não tinha interesse em prolongar uma conversa daquela.
Lucas: Acho que eu vou pra casa...
Levantei e fui andando, mas antes que eu saísse da sozinha ele segurou meu braço dizendo: Ah, não! Vai lá pra ficar sozinho?
Senti sua mão quente no meu braço, e então pareceu que todo o meu corpo pegou fogo. Eu não achei que seria legal dizer que eu estava indo pra evitar o clima.
Davi: Você é sempre tão frio. - ele disse soltando meu braço.
Lucas: Você que é quente.
E então ele disse, em voz baixa, carinhosamente: Me deixa esquentar você, então.
E então ele abriu os braços e me abraçou. Senti de novo o calor do corpo dele, seus braços me abraçando pouco abaixo dos ombros, por um momento me senti confortável. Mas logo me livrei do abraço dele, sem ser grosseiro, e falei que definitivamente eu ia embora.
Davi: Perdão por ter te abraçado...
Lucas: Tudo bem...
Vesti minha camisa, era a única coisa que eu tinha que pegar, e fui embora. Fiquei bravo comigo mesmo por não ter evitado o abraço do Davi. Mas fiquei nervoso porque ao mesmo tempo aquele abraço me deixou feliz.
Cheguei em casa, tomei um banho e deitei na cama. Vesti uma calça de moletom preta e camisa branca, estava um frio considerável, ainda mais depois de tomar banho. Fiquei deitado ali até minha mãe chegar, na verdade, eu não ouvi ela chegando, sorte que eu não estava fazendo nada errado, porque até assustei quando ela apareceu do nada no quarto.
Jaqueline: Oi, filho! Decidiu dormir no Davi mesmo?
Achei melhor não contar que eu tinha dormido lá porque tinha bebido.
Lucas: É, assistimos dois filmes, e acabara tarde, aí achei melhor ficar lá.
Jaqueline: Entendi... Quem foi?
Lucas: Vinicius, Gustavo, Davi e eu...
Jaqueline: O Igor não foi?
Na verdade eu não soube dizer se Igor tinha ido ou não. Eu não lembrava dele lá. Mas respondi que não. E ela saiu do quarto, voltando algum tempo depois me chamando pra almoçar.
Jaqueline: Você vai ver o Bruno hoje? - ela perguntou quando estávamos arrumando a mesa, depois de comer.
Lucas: Vou.
Jaqueline: Que bom!
Sorri pra ela, mas não falei mais nada. E antes de sair para trabalhar, ela me disse: Não esquece de lavar a louça hoje.
Concordei. Eu realmente tinha esquecido da louça algumas vezes nos últimos dias. Só pra garantir, fui lavar a louça assim que ela saiu. Deixei a cozinha em ordem e subi ao meu quarto. Mais tarde eu me troquei e fui pra academia. Naquele dia não teve briga, e o Vinicius estava lá. Mas ele estava sério. Então não fiquei o tempo todo tentando puxar conversa. Ninguém comentava nada e não vi nenhum garoto por perto, mas fiquei atento o tempo todo, eu queria saber quem era o garoto que tinha apanhado do Vinicius. Mas mais do que isso, fiquei curioso pra saber qual era a ligação entre os dois. Reparei também, depois de um tempo, que algumas pessoas olhavam pra nós dois com uma certa frequência! Será que pensavam que o Vinicius ia me socar também? Ou talvez pensassem que éramos namorados?
Ele saiu da academia comigo, seguimos uma parte do caminho juntos, como sempre. Eu não ia falar nada, mas ele mesmo disse.
Vinicius: Tá sabendo de ontem?
Lucas: To sim. O que aconteceu?
Vinicius: Ah, um garoto ficou me provocando... Eu perdi a paciência... E deu no que deu.
Lucas: Entendi.
Ele disse "deu no que deu" com uma voz um pouco mais fina, o que não combinava com o tamanho dele!
Vinicius: Uma hora te conto exatamente o que aconteceu...
Lucas: Beleza...
Nos despedimos e ele virou a esquina. Eu comecei a andar ainda mais apressado! Eu precisava tomar um banho antes que a Elisa passasse de casa me pegar.
Abri o portão e passei rapidamente pela cozinha, só pra tomar água. Minha mãe estava guardando algumas coisas que tinha comprado.
Jaqueline: A Elisa ligou agora há pouco confirmando se você ia... Eu disse que sim! Não mudou de ideia né?
Lucas: Não! Eu vou tomar banho...
Jaqueline: Tudo bem! - ela disse sorrindo.
Saí do banho enrolado na toalha, com a pressa, eu tinha esquecido de pegar uma cueca e o resto da roupa pra vestir. Fui ao meu quarto e não havia mais cueca na gaveta. Então sai, ainda enrolado na toalha, e fui até a lavanderia. Claro que tive que passar pela sala e me assustei quando encontrei a Elisa sentada no sofá conversando com minha mãe. Ela me olhou bem, ergueu as sobrancelhas...
Lucas: Desculpa... Só preciso ir até a lavanderia... Não sabia que você já tinha chego...
Fui andando enquanto falava e logo deixei a sala pra trás. Procurei uma cueca entre a roupa limpa, levei alguns minutos pra achar, quando achei eu vesti ali mesmo e subi até meu quarto de novo! Passei pela sala quase correndo.
Vesti uma calça jeans e uma camisa que eu não lembro a cor (por melhor que seja minha memória, nem tudo dá pra guardar, rs), coloquei o tênis e desci até a sala.
Elisa: Leva uma blusa. Tá frio lá fora.
Subi as escadas de novo e peguei uma blusa no guarda roupas.
No caminho até o hospital, não conversamos quase nada. Eu só perguntei se a situação havia mudado.
Elisa: Não, querido! - e foi tudo o que ela disse.
Quando ela estacionou o carro e nós descemos, ela pareceu recuperar a fala...
Elisa: Acho que hoje somos só nós dois...
Lucas: Não vem mais ninguém?
Elisa: Não... Todos com quem eu falei tem seus próprios compromissos hoje! Não podem vir. E eles têm vindo todos os dias desde o acidente.
Me senti um pouco mal. Eu devia ter ido todos os dias também! Acabei não respondendo nada.
Quando chegamos ao quarto, havia uma enfermeira e um homem um pouco velho perto da cama do Bruno. O velho, que aparentemente era o médico, nos cumprimentou, seu crachá dizia "Moacir".
Moacir: A Senhora é a mãe? Podemos conversar um minuto lá fora?
Eu fiquei um pouco assustado. Tive medo de olhar pra maca. Os dois saíram e ficamos a enfermeira e eu no quarto. Ela me olhou e sorriu.
Sussurrou: Oi...
Respondi e dei um sorrisinho forçado.
Cheguei mais perto da maca e respirei mais aliviado, o Bruno não tinha morrido. Perguntei-me então o que o médico queria conversar com a Elisa.
Mais uma vez a enfermeira interrompeu meu flood de pensamentos dizendo: qual seu nome?
Lucas: É Lucas...
E ela respondeu: O meu é Josiane! Mas pode chamar de Josi...
Torci pra ela não resolver dar em cima de mim.
Lucas: Prazer... - respondi. E olhei pro Bruno de novo!
Josiane: É seu irmão?
Lucas: Não, ele é meu... - enrolei a língua. Ela me olhou sem entender nada, e el completei - amigo.
Josiane: Eu fui a primeira enfermeira que viu ele quando chegou aqui. Fui uma das que limpou ele e fez os procedimentos iniciais. Disseram que seu amigo tem sorte de estar vivo.
Lucas: To sabendo...
Josiane: Não se preocupe, ele vai ficar bom.
Lucas: Você já viu algum paciente não acordar de um coma?
Josiane: Não posso mentir. Já vi alguns morrerem depois de alguns dias... Mas a maioria que eu vi, acabou acordando.
Lucas: Há quanto tempo você trabalha como enfermeira?
Josiane: Quatro anos. Seis meses neste hospital!
Lucas: E como os pacientes acordam?
Josiane: Você fala do estado mental deles?
Lucas:Sim...
Josiane: Alguns acordam e não podem mais andar. Outros acordam e ficam atordoados de início, mas depois ficam bem. Alguns casos simples acordam simplesmente bem... Mas é difícil dizer sobre esse aqui, eu não sou vidente.
Lucas: Eu sei... Só me preocupo com ele.
Josiane: Você parece estar com medo de perder ele...
Lucas: É, um pouco...
Ela continuou me olhando, como se esperasse que eu dissesse mais... Mas fiquei em silêncio, e logo a Elisa e o médico entraram na sala de novo.
Moacir: Josiane, pode vir comigo?
Ela se despediu de nós e foi embora. Fiquei olhando pra Elisa, achando que ela pelo menos me daria alguma informação sobre o que o medico tinha dito. Mas não disse, e como não demonstrou tristeza nem nada do tipo, eu achei melhor deixar pra lá.
Ele fez a mesma coisa do outro dia, se aproximou do Bruno, tocou sua testa por alguns segundos e depois se afastou dele. E de novo ela disse que ia ao banheiro, hoje eu percebo que aquilo era uma desculpa, ela sabia que era melhor me deixar sozinho com o Bruno por um tempo.
Depois que ela saiu, eu segurei a mão dele, não chorei mais, mas me senti estranho! Não soltei sua mão por um bom tempo. Também não falei nada dessa vez, fiquei apenas olhando seu rosto e era inevitável lembrar do nosso tempo juntos. E então eu me senti bem, era como se eu mesmo voltasse para aqueles momentos, como se eu sentisse o calor do sol na hora de voltar pra casa, ou sentisse um arrepio quando o Bruno sussurrava no meu ouvido, até mesmo aquela sensação única do primeiro beijo.
Quando a Elisa voltou, eu apenas soltei a mão do Bruno, mas continuei ali, já que eu não estava chorando. Ela não disse nada ao entrar, só parou atrás de mim.
Lucas: Dá a sensação de que ele vai abrir os olhos como se fosse de manhã, e dar bom dia...
Ela riu e concordou.
Elisa: É o que eu mais quero que aconteça...
E então nossos olhares se encontraram, e ela completou a frase: "tem gente desse lado que ama muito ele, e por isso ele não pode ir".
Lucas: Você não vai perder ele.
Ela sorriu, mas não disse mais nada. Quando eu paro pra pensar, hoje, acho que ela não se referiu ao amor que ela sentia por ele. É, acho que eu realmente sou péssimo com palavras.
Ela tocou meu ombro e disse: Quer um cappuccino hoje?
O corredor do hospital estava frio, diferente do quarto. Quando sentamos na mesa, eu com um cappuccino, e ela com um café simples, acho que foi quando interpretei da maneira certa o que ela disse antes.
Elisa: Você parece o tipo de pessoa que tem um bom futuro pela frente...
Não entendi por que ela disse aquilo naquele momento. Não sabia nem o que responder.
Elisa: Cuida bem do meu filho.
Assustei quando ela disse aquilo. Sei que arregalei os olhos na hora, coloquei a caneca com cappuccino sobre a mesa. Vi aquele sorriso único de mãe em seu rosto.
Elisa: Não precisa esconder as coisas de mim... Eu sei como você deve estar se sentindo.
Não sei porque tive vontade de chorar na hora, meus olhos encheram de lágrimas e eu abaixei a cabeça.
Elisa: Você não vai se sentir melhor se ficar engolindo o choro... Chorar não é uma coisa ruim, prova que o que você sente é verdadeiro.
Foi quando eu dei meu primeiro "soluço". E por mais que estivéssemos falando baixo, a garçonete ainda se aproximou da mesa e perguntou se estava tudo bem.
Elisa: Está sim, querida. Obrigado.
E então a Elisa se levantou e sentou ao meu lado, passou o braço no meu ombro e me puxou pra perto dela. Eu não fiz escândalo com o choro. Mas ainda assim eu percebi que as garçonetes e atendentes estavam prestando atenção em nós dois. Acho que aquela era uma cena que elas viam com frequência.
Elisa: Ele vai se recuperar, Lucas... Calma!
Enxuguei as lágrimas, tomei mais um gole do cappuccino, estiquei o braço e puxei o café da Elisa pra perto dela.
Lucas: Obrigado.
Dei mais um gole e acabei o cappuccino.
Elisa: Agora vamos? Ou quer voltar pro quarto?
Lucas: Você que sabe...
Elisa: Bom, acho que o Bruno vai nos perdoar se formos embora.
Lucas: Espero que sim.
Antes de sair, olhei pras garçonetes e atendentes, eu ainda estava com os olhos cheios de lágrimas, mas dei um sorriso e acenei pra todas. Foi até engraçado, porque todas sorriram e acenaram de volta quase ao mesmo tempo.
No caminho de volta, eu fiquei confuso, porque a Elisa me perguntou se eu tinha namorada. Achei que ela já tinha percebido a verdade, mas achei melhor não falar coisas demais, e respondi que não.
Elisa: Entendo. - ela respondeu.
Quando ela me deixou no portão de casa, perguntei se ela queria entrar, mas ela respondeu que não, porque precisava ajeitar algumas coisas na casa. Então me despedi, desci do carro e vi o Davi na calçada conversando com uma Senhora, um pouco longe de mim. Ele ergueu a mão, eu só acenei, sem sorrir, e entrei em casa. Antes mesmo de chegar até meu quarto, recebi uma mensagem dele dizendo: "tá tudo em ordem?".
Não respondi. Passei pela cozinha ver minha mãe.
Jaqueline: Como foi?
Lucas: Tomei outro cappuccino.
Jaqueline: Você não tem jeito mesmo.
Lucas: Nada mudou, mãe.
E então deixei a cozinha e fui até meu quarto. Lá eu respondi a mensagem do Davi, escrevi apenas um "sim" na resposta e enviei. Não recebi mais mensagens dele durante toda a noite.
Eu poderia contar o resto da noite, mas acho que não seria interessante para você que está lendo. Eu só jantei com minha mãe e fiquei assistindo televisão até tarde.
Me desculpem se houverem erros de escrita nesse capítulo. Eu escrevi meio com sono!
Até a próxima!