Mais que uma lembrança [parte 22]
Parte da série Mais que uma lembrança
Eu acordei no outro dia com um pouco de dor de cabeça... Que passou algum tempo depois. Mas não levantei, acordei por volta das nove da da manhã... Podia ouvir o Vinicius andando pelo apartamento, indo ao banheiro, dando descarga, depois vi sua sombra passando por debaixo da minha porta... Podia ouvir bem baixinho ele na cozinha! Abrindo a porta da geladeira... puxando a cadeira da mesa... Foi um dos motivos pelos quais não dormi de novo... Mas também não quis levantar... Eu ainda estava perturbado com o beijo da noite passada.
Peguei meus fones de ouvido e fiquei ouvindo música até umas dez da manhã. Foi quando recebi a primeira mensagem do Davi: "preciso falar contigo".
Respondi mentalmente: "outra hora", mas não respondi o sms. Tirei o fone de ouvido e notei que o notebook do Vini estava ligado. No mesmo instante ouvi ele atendendo o telefone e começando a falar com alguém sobre trabalho.
Eu sei que o que eu fiz foi errado... Mas eu me sentei na mesa dele e passei o dedo no touchpad do notebook pra ativar a tela... Por sorte não tinha senha!
Abri a pasta de vídeos, havia várias outras pastas lá... Fui lendo o título de cada uma, a maioria eram gêneros de filme, shows ou clipes de músicas... Mas o que eu estava procurando não estava em nenhuma dessas pastas... Estava ao final da lista... Haviam dois, e pela miniatura eu vi que era o que eu procurava mesmo.
Coloquei o som do notebook no mudo e abri um dos vídeos! Como posso descrever? Era o Vinicius de quatro e o garoto ativo filmando "de cima". Não queria ver tudo... Só fui pulando partes do vídeo pra ver se o rosto do garoto aparecia... Mas não apareceu em nenhum dos dois vídeos! Acho que ele não deve ter se dado mal com aquilo tudo. Fechei os vídeos e abri a pasta de imagens... Tinha só fotos do Vinícius! Abri a primeira e fui passando uma por uma.
Tinha uma pasta com nome "bla". Abri e quase caí da cadeira... Eram fotos do Vinícius sem camisa e até só de cueca... Passei uma por uma também. Ele não tinha o peito e abdômen que eu imaginava... Mas ainda assim ele era bom... rs. Nas fotos em que ele estava só de cueca, algumas não dava pra ver direito, mas outras mostravam um volume legal, kkkk. Mas aquelas fotos não me excitaram...
Enfim fechei a janela de fotos e deixei tudo como estava. O Vinicius não estava mais ao telefone. Então saí do quarto, fui ao banheiro e depois até a cozinha, ele estava sentado rabiscando uma folha de papel. Mas ele não amassou a folha, igual o Bruno, porque era um rascunho de um dos trabalhos dele, e não uma história com nossos nomes.
Vinicius: Bom dia!
Lucas: Bom dia...
Vinicius: Dormiu bem?
Lucas: Dormi sim... E você?
Vinícius: Também!
Ficamos alguns segundos num silêncio muito chato! Até que o Vinicius tomou coragem e disse: Lucas... Sobre o beijo de ontem... Desculpa! Eu sei que você não deve ter gostado...
Suspirei, achei aquela situação chata demais... Me convenci de que era hora de parar de esconder as coisas.
Lucas: Vinicius... preciso te contar uma coisa...
Vinicius: O que? - ele disse despreocupado.
Lucas: Eu sou gay...
Ele teria engasgado se estivesse tomando leite na hora.
Vinicius: Gay? Você?? Tá bom...
Lucas: Por que não acredita?
Vinicius: Porque... - ele parou, parecia estar pensando.
Lucas: Você nunca me viu com outra garota, nunca falei de outra garota pra você! Nunca reparou que eu não fico babando nas meninas da academia?
Vinicius: hum... Então por que não me contou antes?
Lucas: Não sei porque... Mas eu sou... E tem mais...
Contei pra ele sobre o Bruno e sobre o Davi... Contei a história toda... Desde a época que eu era apaixonado pelo Davi! Quando terminei, ele estava meio bobo com a história.
Vinicius: Se você namora, por que me deixou te beijar ontem? Aquilo foi errado...
Lucas: Não sei... Não tive vontade de te impedir...
Vinicius: Você não faz sentido...
Lucas: Eu gosto de estar com você... Tá legal? Só que não é como estar com ele...
Ele ignorou, como se eu não tivesse dito aquilo.
Vinicius: Sua mãe sabe sobre você?
Fiz que não com a cabeça!
Vinicius: Imaginei que não...
Lucas: Eu ouvi a conversa de vocês ontem de manhã...
Vinicius: Ah, aquilo... Pois é...
Ele ficou meio que sem saber o que dizer, e eu dei uma risadinha...
Lucas: Me desculpa por não ter te contado... Eu não imaginei que as coisas iam ficar assim...
Vinicius: Tudo bem, eu acho...
Ele estava evidentemente desanimado...
Lucas: Quer dar uma volta? Podemos ir ao cinema hoje...
Mas ele não respondeu... Ficou olhando para o infinito.
Vinicius: Eu tenho muito trabalho pra fazer, Lucas...
Fiquei chateado... Eu entendia que ele tinha que trabalhar... Mas ele não disse aquilo em resposta ao meu convite do cinema... Ele disse aquilo pra me fazer ir embora.
Lucas: Eu entendo... Então eu vou pegar minhas coisas e ir embora...
Mais uma vez ele ficou em silêncio, sem olhar pra mim. Levantei da mesa e fui ao quarto em que dormi. Peguei as poucas coisas que eram minhas e voltei até a porta da cozinha.
Lucas: To indo então...
Me virei e quando toquei na maçaneta da porta, eu ouvi barulho de cadeira se arrastando. Mas não olhei pra trás. Abri a porta e senti a mão do Vinicius no meu ombro. Ele me forçou a virar de frente pra ele, se aproximou e me deu outro selinho, mais longo. Suas mãos seguraram minha cintura, ele estava chorando!
Em poucos segundos ele se afastou, estava chorando pra valer...
Vinicius: Desculpa pelo beijo... Eu queria guardar essa sensação... De beijar você...
Tentei tocar seu ombro, mas ele se afastou.
Vinicius: Vai pra pra casa...
Lucas: Você vai ficar bem?
Vinicius: Vou, quando minha vida ganhar um sentido...
Lucas: Hã? Olha todas as coisas que você tem passado, Vinicius! E ainda tá em pé... Lutando pra viver e garantir uma vida melhor pra você! Acha que sua vida não tem sentido? Não tem sentido ralar tanto todos os dias? Não tem sentido passar por tantas dificuldades, tentando superar, e superando, cada uma delas? Sério mesmo que você acha que sua vida não tem sentido?
Vinicius: Você não sabe pelo o que eu passei... Você tem uma vida perfeita...
Lucas: Não se trata disso! Não é a vida que te torna bom! É exatamente o contrário! Você mesmo me disse do vídeo do Stallone, não é? Ninguém pode bater tão duro quanto a vida, mas não se trata de bater duro, se trata do quanto consegue apanhar e seguir em frente! O mundo vai te botar de joelhos e você vai ficar de joelhos se nunca fizer nada! Cara, dificuldades preparam pessoas comuns pra destinos incríveis!
Ele ficou me olhando com olhos arregalados.
Lucas: Eu não sou perfeito, minha vida parece perfeita porque eu quase sempre fujo dos problemas... Acha que isso é perfeito? Fugir dos problemas? Você não sabe o quanto eu passei a admirar você... Como eu queria ser corajoso igual você.
Parei de falar, mas ele continuou em silêncio...
Lucas: Não sou filósofo pra querer te dar lições... Sou só seu amigo...
Virei as costas e fui andando, ele ficou me olhando, e ainda não tinha saído do lugar quando o perdi de vista.
No elevador, peguei meu celular e respondi a mensagem do Davi: "o que foi?".
Ele me respondeu quando eu já estava quase em casa.
Davi: tão espalhando vídeos comprometedores do Vinícius no WhatsApp...
Lucas: Eu sei...
Davi: ele te contou algo?
Lucas: Não...
Claro que era mentira! Mas se eu dissesse que sim, provavelmente o Davi me perturbaria até que eu contasse tudo o que estava acontecendo com o Vinicius...
Davi: Coitado...
Não respondi mais... Estava um pouco nervoso com tudo aquilo do Vinicius. Talvez eu não devesse ter deixado ele sozinho no apartamento. Mas na hora eu pensei que ficar sozinho seria melhor para ele... E agora eu não não sabia o que era melhor para o Vinicius. Mas talvez, decidir isso não coubesse a mim...
Passei o resto do dia fechado em casa assistindo TV... Fuçando no computador... Andando pelo quintal... Lavando a louça... Enfim, o tempo todo procurando algo pra distrair. Perguntei-me se a Elisa apareceria naquele dia. Pois se não aparecesse, minha mãe poderia dizer o que quisesse! Eu ia telefonar procurando notícias!
Mas ela apareceu! Sem ligar antes! Por sorte eu me preveni e fiquei pronto no mesmo horário de sempre. Quando subimos no carro, ela disse: Lucas, se importa se eu passar da minha casa tomar um banho bem rápido? Saí agora do serviço... To com a cabeça cheia!
Lucas: Não! Sem problema!
E assim ela fez! Parou o carro do lado de fora mesmo. Nós entramos e ela me deixou na sala. Eu me senti estranho por estar ali sem o Bruno. Quando a Elisa entrou no banheiro e fechou a porta, eu não resisti! Levantei do sofá e fui ao quarto dele! A porta estava fechada, e quando me aproximei, visualizei aquele dia, quando eu dormi na sala, e quando acordei fui ao quarto dele e ele estava escrevendo aquela história. Abri a porta e voltei pra realidade, o quarto estava vazio! Acendi a luz e sorri quando vi as coisas exatamente onde ele deixava!
A cama estava arrumada, um par de tênis estava aos pés da cama, e duas toalhas estavam dobradas em uma pilha em cima da cama.
Sua mesa estava organizada, seu computador estava desligado e havia um caderno aberto com anotações escolares. Será que a Elisa estava olhando ou ela não tinha mexido em nada desde o acidente?
Vi ao lado do teclado do computador a corrente dele. Abri a primeira gaveta só pra confirmar que aqueele lubrificante ainda estava lá, e estava! Me perguntei se a Elisa tinha visto aquilo ali, e que cara ela teria feito quando viu.
Fechei a gaveta e olhei bem em volta. Eu sabia que o Bruno tinha o costume de escrever em pedaços de papel o que estava pensando. Mas não haviam papéis ali. Olhei a última página do seu caderno e me senti muito triste quando li "ele parece distante... o que eu fiz de errado?".
Meus olhos encheram de lágrimas de novo. Mas não fiz questão nenhuma de segurar. Fiquei encarando aquilo no caderno dele. Até que ouvi a voz da Elisa atrás de mim: "traz tantas lembranças, não é?". Mas não respondi.
Ouvi passos e vi ela parando ao meu lado. Pois a mão no meu ombro, enxugou uma lágrima minha e depois acompanhou meus olhos e leu aquelas duas perguntas. Depois ela olhou de novo pra mim, sua mão desceu do meu ombro até o zíper da minha blusa e puxou o zíper alguns centímetros. Pois a mão e puxou a metade do coração pra fora.
Elisa: Eu não sei exatamente o que houve nos últimos dias antes dele viajar... Mas Lucas, ele te deu essa corrente por um único motivo... Você não pode esquecer esse motivo! Ele mudou depois que conheceu você! - ela fez uma pausa. - Lucas, se eu tivesse descoberto tudo logo no início, vocês teriam tido problemas. Mas eu tive tempo de conviver com vocês dois! Eu vi como você trata meu filho, eu vi como você olha pra ele e como ele te olha! Eu vi o bem que você fez pra ele! Você mudou o meu jeito de ver tudo isso! O meu filho só fala de você! Ele vive por você! Você entende?
Fiz que sim com a cabeça. Eu não estava mais chorando pelo o que li no caderno dele. Mas sim pelo o que a Elisa tinha acabado de dizer.
Lucas: Obrigado. Mais uma vez.
Elisa: Não esquece. - ela disse dando dois toquinhos com o dedo na minha corrente! - Vamos.
Enxuguei as lágrimas e acompanhei-a. Voltamos a conversar no carro.
Lucas: Desde quando você sabe?
Elisa: Eu sempre imaginei que vocês eram muito amigos. Só que eu só percebi a verdade depois do acidente. Quando eu vi você chorar daquele jeito... Você ficou desesperado... E depois quando visitou o Bruno, e chorou de novo. E depois naquele dia que ficou sorrindo se lembrando dele, e me contou no carro do dia que se conheceram. E também há dois dias atrás.
Dois dias atrás tinha sido o dia em que eu desabei a chorar na cantina e preocupei até mesmo as garçonetes.
Lucas: Acho que eu não consegui me controlar.
Elisa: Se você tivesse se controlado, eu teria dúvidas se o que sente pelo Bruno é verdadeiro.
Lucas: E é...
Ela deu um sorrisinho.
Elisa: Você demorou um pouco pra perceber que eu percebi, né?
Lucas: Um pouco...
Ela deu mais uma risadinha.
Elisa: Eu vi aquilo na gaveta do quarto dele. Posso fazer uma pergunta?
Eu gelei brevemente.
Lucas: Sim.
Elisa: Quem é... - ela parou. Eu sabia o que ela queria perguntar. - Como vocês chamam?
Lucas: Ativo e passivo?
Elisa: Isso mesmo...
Eu enrolei pra responder. Fiquei imóvel.
Elisa: Pode me dizer... Se eu perguntei é porque to preparada pra saber!
Lucas: Bom, eu sou o ativo. - falei meio enrolado.
Elisa: Entendi.
Finalmente ela estacionou o carro. As coisas ficariam complicadas se ela começasse a querer saber sobre nossa vida sexual.
Entramos no hospital, ficamos em silêncio o tempo todo até chegarmos no quarto. O médico estava lá, sozinho dessa vez. Estava escrevendo coisas com os papeis apoiados na parede. Não era o mesmo médico que o outro dia. Seu crachá informava "Jair". Ele parecia meio desajeitado.
Jair: Boa noite. São a família dele?
Elisa: Sim. Algum problema?
Jair: Não! Fique tranquila! Eu sou o Dr. Jair, fiquei responsável pelo Bruno depois que o médico anterior teve que fazer uma viagem por motivos pessoais. - ele disse enquanto apertava nossas mãos.
Elisa: Ah, sim! Obrigado Doutor!
Ele retribuiu com um sorriso.
Jair: Você é o irmão? - ele perguntou pra mim.
Lucas: Não...
Jair: Primo?
Fiquei nervoso.
Lucas: Não... amigo!
Jair: Ah, sim! Perdão. Eu vou terminar de anotas as coisas aqui e já deixo vocês a sós.
Elisa: Doutor?
Jair: Sim...
Elisa: Existe possibilidade do meu filho acordar com alguma sequela?
Jair: Sinceramente, Dona Elisa. Tem chances sim. Ele bateu forte com a cabeça, embora tenham dito que estava com cinto de segurança. Se houve falta de oxigênio, ou alguma lesão grave... Mas eu não posso dar certeza ainda.
Elisa: E quais seriam essas sequelas?
Jair: É difícil dizer... Ele pode acordar totalmente bem, pode acordar sem poder se mexer, sem poder falar... Ele pode esquecer eventos recentes... Ou eventos a longo prazo também, embora eu acredito que isso seja mais difícil de acontecer, eu não sou um neurologista, sou um clínico geral! O Dr. Moacir era neurologista! Mas por isso não posso dar muitos detalhes sobre isso. Sinto muito.
Elisa: Tudo bem!
E então o médico saiu do quarto. Eu fiquei pensando no porquê a Elisa tinha perguntado aquilo. Importava pra ela se ele ia acordar do mesmo jeito ou não?
Eu cheguei perto da cama, passei o dedo em sua bochecha e sussurrei: "precisa se barbear". A Elisa deu uma risadinha. Ficou me observando.
Lucas: Você não fez nada errado... Eu que fiz. - sussurrei por último. E sentei ao lado da Elisa. - Mais alguém vem hoje?
Elisa: Não.
Lucas: Por que você não apareceu ontem?
Elisa: Muita correria no serviço. Eu saí tarde demais. Nem eu pude entrar ontem. Mas o Tiago veio. Desculpa não ter ligado pra avisar. É que eu estava com a cabeça cheia de coisas.
Lucas: Tudo bem.
Ela ficou me falando um pouco do serviço. Que não foi muito interessante, mas eu ouvi e conversei como se tivesse sido. Fomos embora um tempo depois, quando nos convencemos de que ninguém apareceria.