Mais que uma lembrança [parte 30]

Parte da série Mais que uma lembrança

Eles pararam e me olharam logo que eu apareci no quarto. O Bruno estava encostado na parede, o Gustavo, a sua frente, suas mãos estavam erguendo a blusa do Bruno, que já estava bem pra cima do umbigo. Eles ficaram me olhando, e eu me senti como se meu peito fosse explodir. Sei que fiz uma cara de quem queria matar, mas por dentro eu queria chorar. Não fiz escândalo porque pensei nos outros lá embaixo. Eu simplesmente virei as costas e saí andando apressado. Desci as escadas e quando cheguei lá em baixo eu já estava chorando. Pra variar, o primeiro que me viu daquele jeito foi o Davi... Ele me olhou muito assustado, desviei dele e passei pela sala falando "gente, desculpa mas não posso ficar". Abri a porta e saí. O portão, por sorte, estava destrancado, abri, nem me preocupei em fecha-lo e saí andando rápido pela

calçada. Ouvi o Davi me chamando lá detrás. Mas não parei e nem olhei pra ele.

De repente ouvi passos fortes se aproximando rápido. A mão do Davi tocou meu ombro e eu parei de andar.

Davi: O que aconteceu?

Lucas: O Gustavo...

Davi: O que tem o Gustavo?

Eu não conseguia falar direito de tanta raiva que eu estava.

Lucas: Com o Bruno...

Deve ter sido o bastante pro Davi entender. Porque em seguida eu ouvi mais alguém chegando perto. O Davi olhou e falou: "Sai daqui. Ele não quer falar com você".

Me virei e vi o Gustavo, parado a uns dez metros de nós. O Davi estava na minha frente, quase encostado em mim. O Gustavo, ignorando totalmente o Davi, chegou bem perto de mim.

Lucas: Você sabia do que eu sinto por ele! Sabia que eu estava esperando ele se recuperar e que ainda amo ele! Como conseguiu fazer isso?

Gustavo: Achei que você tinha dito que queria que ele fosse feliz com ou sem você...

Não sei como conseguir fazer o que fiz... Eu empurrei o Davi pro lado, sem machuca-lo, fechei a mão e virei um soco no Gustavo. No mesmo instante o Davi entrou na frente, pois a mão no meu peito e me empurrou pra trás.

Davi: Sai daqui, Gustavo.

Ele não se mexeu.

Davi: Você é surdo?

Só então ele nos deu as costas e voltou pra casa. Eu esfreguei os olhos pra enxugar as lágrimas.

Davi: Lucas...

Abracei o Davi. Meu peito ainda parecia que ia explodir.

Lucas: Por que? Eu queria tanto... - mas parei de falar.

Davi: Pode falar...

Lucas: Ter ele de novo comigo...

O Davi me abraçou forte. Ele não falou nada, ele não precisou falar nada. Só por ele estar ali comigo eu já me senti melhor. Além do mais, ele permaneceu ali, mesmo sabendo que eu estava sofrendo porque amava outra pessoa, e ainda tentando fazer com que eu me sentisse melhor.

Davi: Quer que eu te leve pra sua casa?

Na verdade eu não queria. Porque minha mãe estava lá e ela perceberia que eu não estava normal. Acabei fazendo que não com a cabeça.

Davi: Vem comigo.

Andei com ele em silêncio. Não conversei sobre nada. Enquanto andávamos eu parei de chorar e só ficou a raiva. Olhei pro Davi, a luz dos postes e a sombra dos galhos das árvores faziam ele parecer meio misterioso.

Ele abriu o portão e entramos na casa dele. Não havia carro na garagem. Ele me levou até a cozinha e me deu um copo d'água mesmo sem eu pedir.

Lucas: Cade seus pais?

Davi: Viajaram hoje de manhã. Meu pai foi a negócios e minha mãe foi de companhia. Eles devem voltar amanhã de tarde.

Tomei a água que ele me deu e respirei fundo.

Davi: Consegue me contar o que exatamente aconteceu?

Lucas: Quando eu cheguei no banheiro, o cômodo da frente estava com a luz acesa, eu entrei pra apagar a luz porque achei que alguém tinha esquecido acesa. Foi quando eu vi o Bruno e o Gustavo se beijando. O Gustavo estava até tirando a blusa do Bruno...

O Davi torceu os lábios.

Davi: Que tenso... E vocês brigaram lá em cima?

Lucas: Não... Eu dei as costas e desci as escadas, foi quando dei de cara com você.

Davi: Agora se acalma! Tenta relaxar... Amanhã você conversa com o Bruno se quiser. Porque o Gustavo não tem jeito.

Lucas: E se ele disse que quer ficar com o Gustavo?

O Davi não respondeu. E não precisava porque eu sabia a resposta. Eu não podia fazer uma lavagem cerebral do Bruno, e dar uma paulada na cabeça dele não faria a memória voltar!

Lucas: Posso pedir uma coisa meio abusada?

Ele riu e disse que sim.

Lucas: Posso passar a noite aqui?

Davi: Pode sim...

Lucas: Obrigado.

Davi: Não precisa agradecer.

Nós acabamos comendo miojo! Porque nenhum dos dois sabia cozinhar... E a mãe do Davi não tinha deixado nada pronto já que o combinado é que ele jantaria na casa do Gustavo. Tentamos dar uma incrementada no miojo e comemos!

Davi: Você dorme na minha cama! - ele me disse quando concordamos em nos deitar.

Lucas: Não! Mas e você?

Davi: Eu durmo na cama dos meus pais...

Acabei concordando, já que eu não tinha outra opção! Fui ao banheiro e quando voltei, a cama dele estava pronta pra dormir! Com.cobertor e tudo!

Lucas: Você não ia dormir na cama dos seus pais?

Davi: Eu vou!

Sacudi a cabeça sorrindo!

Davi: Que foi?

Lucas: Não precisa arrumar até a cama pra mim...

Davi: Mas eu quero... - ficamos em silêncio por alguns segundos e ele continuou - Vou deitar... To com sono....

Lucas: Tudo bem.

Davi: Boa noite, Lucas!

Lucas: Boa noite, Davi!

Então ele saiu do quarto, fechando a porta ao sair.

Reparei que tinha uma bermuda e camisa em cima da cama. Provavelmente o Davi tinha deixado ali caso eu quisesse usar pra dormir!

Me sentei na cama, desamarrei o cadarço do tênis e me inclinei pra tirá-lo. Quando voltei à posição normal, me vi refletido no espelho do guarda roupa. Que estava bem na minha frente. Meus olhos estavam vermelhos e com olheira de quem tinha chorado bastante! Do outro lado tinha uma mesa vazia, ou melhor, quase vazia! O celular do Vinícius estava ali em cima! Peguei e desbloqueei a tela! Tinha uma foto dele como papel de parede! Não fucei em nada! Só olhei a foto dele por alguns segundos... Travei a tela novamente e saí do quarto. Bati na porta do quarto que o Davi estava e entrei quando ouvi ele dizendo que eu podia. Abri a porta e botei a cabeça pra dentro, ele.estava sentado na cama, encostado na parede! Ainda com a mesma roupa.

Lucas: Você esqueceu seu celular lá!

Davi: Ah tá... Obrigado Lucas! - ele disse estendendo a mão.

Eu me aproximei e entreguei o celular pra ele.

Lucas: Bom... Eu vou voltar e dormir agora!

Ele deu um sorrisinho e eu deixei o quarto.

Tirei a roupa e vesti só a bermuda que ele deixou pra mim, depois me enrolei no cobertor e fiquei um tempo quieto, apesar de não ter sono.

Quando percebi que eu não ia conseguir dormir tão cedo, me sentei na cama, fiquei com um pouco de frio. Fiquei jogando no celular até que senti sono. E então eu deitei e dormi. Mas ainda assim acordei no meio da madrugada! Tentei virar e dormir de novo, mas eu perdi o sono. O Bruno e o Gustavo não saíam da minha cabeça!

Levantei e saí do quarto, fui até a cozinha com a intenção de tomar água e encontrei o Davi lá!

Lucas: Ué... Você não dorme?

Davi: To sem sono...

Lucas: Eu acordei agora e perdi o sono...

Davi: Pelo menos você dormiu!

Lucas: Você nem dormiu ainda?

Ele fez que não com a cabeça.

Eu bebi água, me sentei ao lado dele e falei: O que tá te perturbando?

Davi: Nada... Eu só to pensando demais.

Ficamos em silêncio.

Davi: Eu disse pra falar com o Bruno logo.

Lucas: Eu sei...

Ficamos em silêncio e eu arrastei o Davi pra sala. Começamos a ver tv. Tinha um canal passando uns desenhos bem bobos.

Lucas: Sério que você vai deixar aí?

Davi: Sim... Gosto de lembrar dos tempos de criança.

Me sentei no sofá e ele sentou do meu lado. Com o passar do tempo percebi que ele começou bocejar. Depois foi dando umas "fisgadas", quase dormindo. Vi no relógio que eram três e meia da manhã! Não me espantei por ele ter ficado tão sonolento.

Aos poucos ele foi pendendo, já não estava mais consciente! Então eu peguei uma almofada, coloquei no colo e deitei ele devagar, apoiei sua cabeça na almofada, e ele ficou dormindo ali. Continuei assistindo TV por um bom tempo até sentir sono de novo! Foi quando começou um outro desenho muito sem graça! Tombei a cabeça pra trás e dormi.

Senti alguém mexendo, mas não acordei totalmente, rsrs. Senti que estava sendo carregado devagar, será que era o Davi? Ele bocejou várias vezes até que me deitou na cama fria e me cobriu! Eu me encolhi e não lembro de mais nada até a hora que acordei de verdade.

Eu não estava no quarto do Davi, tampouco na cama dele. Eu não podia ver direito porque estava tudo escuro, virei de barriga pra cima e levei a mão para a direita para tatear a cama. Mas logo de cara toquei em algo fofo. Me sentei na cama e me dei conta de que eu estava na cama dos pais do Davi! Com o Davi deitado de barriga pra baixo ao meu lado, o que eu tinha acabado de apertar provavelmente era sua bunda. Deitei de novo. Compartilhar a cama com ele não ia matar. Por isso me virei e dormi de novo.

Acordei mais tarde, o Davi não estava mais na cama. Levantei e fui ao banheiro. Depois fui pra cozinha. Ele estava sentado na mesa.

Davi: Até que enfim...

Olhei no relógio e não me surpreendi com ele marcando onze horas, eu esperava acordar bem mais tarde.

Davi: Se bem que era pra ter dormido mais.

Eu dei risada e sussurrei "boa tarde".

Ele respondeu animado.

Davi: Lucas: Me desculpa, eu não dormi na mesma cama que você de propósito! Eu fiz sem pensar.

Lucas: Não tem problema. Eu também não tinha a intenção de apertar sua bunda.

Ele riu.

Davi: Apertar minha bunda?

Lucas: Você não sentiu?

Davi: Senti...

Lucas: Desculpa...

Davi: não tem problema...

Lucas: Você deve até ter gostado né?

Davi: Não preciso dizer né?

Rimos juntos e depois de alguns segundos em silêncio ele voltou a falar: Vai conversar com o Bruno hoje?

Lucas: Vou! De uma vez por todas.

Davi: Isso aí...

Mas eu não respondi... Nós nos entreolhamos...

Lucas: Você tá com uma cara horrível...

Davi: To bem...

Lucas: Não, não tá.

Davi: Só não dormi direito...

Bom, eu acabei levando o Davi pra almoçar em casa... Já que nenhum dos dois sobreviveria a mais um miojo. Eu comi mais que ele, pra ser sincero. Estava com fome! E minha mãe quase não conversou comigo, a atenção dela ficou quase que inteira para o Davi. Foi bom ele ter ido comigo, porque ele mesmo explicou pra minha mãe que eu tinha dormido na casa dele, embora eu tenha deixado ela avisada de que eu dormiria na casa do Gustavo (que era o plano original). Mas, como tudo o que vinha do Davi, ela não questionou nem fez cara feia...

Lucas: Minha mãe gosta mais de você do que de mim... - falei quando ela saiu.

Davi: ela é legal... Você parece com ela em algumas coisas...

Não respondi... Não porque não tenha gostado do comentário dele... Mas porque eu não soube o que responder.

Davi: Quer ajuda com a louça?

Lucas: Não... Eu lavo mais tarde...

Davi: O Vinicius te ajudava com a louça?

Deixei escapar uma risadinha.

Davi: Não gostei dessa risada...

Lucas: O Vinicius cozinhava... Desculpa dizer, mas eu admiro muito ele!

Davi: Só por ele cozinhar?

Lucas: Não... Ele era educado, atencioso... - parei de falar, fiquei pensando por um momento.

Davi: Bonito?

Fiz que sim com a cabeça.

Davi: Você gosta dele, né?

Lucas: Não sei dizer... Aqueles dias que eu passei com ele foram tão especiais pra mim... Quando ele me beijou, acho que no fundo eu não reagi porque gostei.

Davi: Ele te beijou?

Eu gelei... Esqueci que eu estava falando com o Davi...

Lucas: Sim...

Davi: E você gostou?

Lucas: Eu não amo ele, Davi... É que quando eu passo muito tempo com uma pessoa igual o Vinicius eu, sei lá...

Mas justo nesse momento a campainha tocou.

Davi: Só faltava ser o Vinicius. - ele disse dando uma risadinha.

Sai da cozinha, e o Davi ficou me esperando lá. Destranquei o portão e quase infartei quando vi o Bruno.

Bruno: Precisamos conversar...

Lucas: Muito...

Dei espaço pra ele entrar, o Davi saiu bem na hora, ele deve ter ouvido a voz do Bruno.

Davi: Preciso ir embora... - ele disse. Se despediu rapidamente e saiu.

Então eu fechei o portão.

Bruno: Você não pode mais esconder as coisas de mim... Não vou te deixar em paz se não me contar tudo agora!

Lucas: Por que não pergunta pro Gustavo?

Bruno: Porque acho que ele não faz parte da história que você tem pra contar...

Dei um suspiro e entrei em casa, ele veio atrás. Fui até meu quarto com ele e parei em frente ao meu guarda roupa, abri a porta do meio e peguei minha corrente com a mão direita, depois me virei e soltei a corrente na mão do Bruno.

Lucas: Isso explica tudo, não explica?

Logo depois ele colocou a mão por dentro da gola da camisa e puxou sua corrente pra fora. Ele encarou as duas metades do coração com uma expressão enigmática.

Bruno: Por que não me contou?

Lucas: Fiquei com medo...

Bruno: Medo de que? De que eu não fosse acreditar?

Lucas: Mais ou menos... No começo eu não contei porque você estava sensível demais... Depois tive medo de que você reagisse mal! Porque comecei a sentir que, apesar de estar fisicamente perto, você estava longe de mim.

Bruno: Claro que eu não ia te tratar como eu te tratava quando namoramos...

Lucas: Não é isso... Falo até mesmo de quando eramos só amigos... Não parecia o mesmo.

Ele ergueu a mão. Eu entendi que era pra parar de falar. Pude ouvir a respiração dele.

Bruno: Como foi que começamos a namorar?

Lucas: Bom, passamos alguns meses como amigos! Nos apaixonamos um pelo outro e teve um fim de semana que fui fazer um trabalho na sua casa. Ficamos um dia até tarde fazendo o trabalho e no outro dia estávamos tão cansados que depois do almoço dormimos no sofá mesmo. Mas quando eu acordei, você não estava mais na sala! Eu saí te procurar e te encontrei no quarto... Quando entrei, você estava escrevendo algo em um papel, que amassou quando me viu entrando. Você parecia nervoso, agitado! Você jogou o papel no lixo e pegou uma toalha pra ir tomar banho.

Bruno: E aí?

Lucas: Quando você fechou a porta do banheiro eu peguei o seu papel do lixo, desamassei e li. No texto você contava um dia todo de um casal gay. Os nomes dos personagens era Lucas e Bruno. Depois de ler eu amassei o papel de novo e joguei no lixo! Mas fiquei no quarto, esperando você voltar do banho.

Parei por um momento, ele não demonstrava nenhum sentimento ou emoção por ouvir aquela história, qual era o problema?

Lucas: Quando você entrou no quarto enrolado na toalha, disse que precisava se trocar, e eu me levantei e fui sair do quarto, mas quando passei perto de você... E senti seu cheiro e senti o calor do seu corpo, eu não resisti e falei que te amava.

Parei de falar, não precisava ser gênio pra descobrir o que aconteceu depois.

Ele olhou pra baixo por um instante.

Bruno: Eu imagino que deve ter sido muito feliz esse tempo que passamos juntos.

Fiz que sim com a cabeça. Meus olhos encheram de lágrimas. Ele apertou a corrente em sua mão.

Bruno: Só que... - ele disse e depois fez uma pausa.

Lucas: Você não me ama mais. Você gosta do Gustavo... - completei.

Bruno: Me desculpa, Lucas... Só que vai ser pior se eu fingir.

Lucas: Eu já tinha dito que se você decidisse isso, eu aceitaria... Quero que você seja feliz.

É, eu tinha dito, mas acho que as pessoas sempre dizem essas coisas, até que realmente aconteça. Só que não falei isso pra ele.

Bruno: Você vai ficar bem?

Até então eu estava segurando bem... Mas quando ele perguntou aquilo, eu não consegui segurar, fechei os olhos e deixei as lágrimas escorrerem.

Senti a mão do Bruno no meu ombro e nos abraçamos. Eu abracei bem forte.

Lucas: Vou ficar bem... Espero que você seja feliz.

Bruno: Você também! Sei que é um cara legal...

Demoramos um pouco pra soltar daquele abraço, ou talvez apenas eu tenha demorado. Nos entreolhamos depois e, por um momento, ele levantou a mão com a corrente na minha direção. Mas antes que dissesse qualquer coisa, eu falei: Leva com você...

Sem responder, ele guardou no bolso. Eu sabia que ele entenderia o porquê eu não gostaria de ficar com ela.

Lucas: Acho melhor eu ir embora agora...

Acenei devagar com a cabeça, concordando. Eu não queria que ele fosse embora, mas ao mesmo tempo queria. Acompanhei ele até o portão, e depois voltei até a cozinha. No fundo eu me culpei por não ter conversado com ele antes. Provavelmente, se eu tivesse feito isso, as coisas teriam sido diferentes.

Em pouco tempo recebi uma mensagem do Davi: "tá tudo bem?".

Respondi: "me deixa sozinho um pouco".

E ele não me mandou mais nada naquele dia.